Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

"La Droite et la Gauche": conclusão da réplica a José Octávio

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Sempre é possível que algo que intencionamos não fique suficientemente claro no que escrevemos, por isso mesmo uma das grandes vantagens do debate crítico é possibilitar, na réplica, a reafirmação enfática e melhor explicada do intencionado. Então, na conclusão da minha réplica à análise crítica do historiador José Octávio de Arruda Mello, retomo o que vinha abordando no post anterior: não saí da extrema esquerda para ir para a extrema direita, como equivocadamente interpretou o historiador, possivelmente devido aos meus ataques exacerbados ao marxismo-leninismo e neomarxismos, vazados em um estilo "pamphlet" que me foi próprio durante meus tempos de bolchevista e que me acompanha ainda hoje quando me declaro "ardente democrata" (sempre me foi difícil conter esse meu instinto panfletário). A democracia, está claro, comporta direita e esquerda, que costumam se revesar nos governos das sociedades abertas. O que a democracia não comporta são os extremismos, os fanatismos, que só se podem impor - e historicamente se impuseram - na forma de regimes totalitários: totalitarismos de esquerda, ditos "comunismo", "bolchevismo", "stalinismo", "maoismo", etc.; e totalitarismos de direita, ditos "fascismo", "nazismo", "nazifascismo".

Norberto Bobbio não é panfletário, mas é bastante firme nos seus enfrentamentos; como neste nocaute crítico, onde refuta no marxismo:

"...filosoficamente, o determinismo e o materialismo, ou seja, a negligência das forças morais que movem a história, economicamente o coletivismo global, politicamente o inevitável êxito do Estado materialista e coletivista". (Bobbio. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro. Elsevier/Campus 2000).

Com efeito, depois dessa demolição crítica, verdadeiro cruzado de esquerda no queixo do marxismo, não parece restar muita coisa do marxismo. Todavia, Bobbio conviveu muito bem com os marxistas, detestando apenas os marxistas fanáticos, como detestou todos os fanatismos.

Exponho no meu ensaio extensas invectivas de Bobbio contra a extrema-esquerda. Ao escrevê-las, Bobbio estava comovido e mobilizado desde as entranhas  contra grupos de fanáticos, como a organização marxista das Brigadas Vermelhas ("Brigate Rosse"), a mais atuante do terrorismo que eclodiu na Itália na década de 70, tendo, dentre outras atrocidades, sequestrado e assassinado, em 1978, o ex-primeiro-ministro Aldo Moro. Às invectivas de Bobbio quero acrescentar outras palavras poderosas de repúdio ao terror, aquelas ditas por Chaim Herzog, um ex-presidente de Israel, em discurso de homenagem ao primeiro-ministro Yitzhak Rabin, assassinado por um fanático religioso em 1995. Transcrevo do excelente livro "História de Israel", de Martin Gilbert:

"...se não vomitarmos a maldição, se não desenraizarmos o câncer, se não nos livrarmos desse grupo de fanáticos dementes - essa mancha de desonra para nosso povo - estaremos, que Deus nos ajude, sujeitos a testemunhar de novo esse pesadelo". E Herzog conclui seu comovido discurso com palavras incandescentes e, infelizmente, atualíssimas, devido ao avanço do terror do Estado Islâmico: "Os fogos da destruição estão queimando a orla do campo. Se não nos apressarmos, todos juntos, para apagá-los, toda nossa casa será destruída". 

Norberto Bobbio e Chaim Herzog levantaram-se contra o fanatismo em contextos específicos, mas suas atitudes corajosas e palavras candentes têm força de alerta universal. Venham de onde vierem, os extremismos e fanatismos são os mais perigosos inimigos da "casa da Democracia"  

"La Droite et la Gauche". Isso vem da Revolução Francesa e os termos podem estar desgastados, mas ainda são largamente usados. Norberto Bobbio escreveu um livro, "Destra e Sinistra", especialmente para explicá-los e revalidá-los numa significação recontextualizada. E aproveitou para reafirmar sua posição política de esquerda. Na perspectiva política de Bobbio, também eu me declaro de esquerda. Esquerda democrática, por óbvio; porquanto para mim, tanto quanto para Bobbio, o superior bem político não é a esquerda ou a direita, mas sim a democracia.

Os bolchevistas costumam reduzir retoricamente todos os que não se submetem aos seus interesses a representantes ou lacaios da direita fascista. O bolchevismo/marxismo-leninismo é uma doutrina em decadência, apodrecida, mas que se recicla como pode. No Brasil, por exemplo, o PT, apoiado por padres da "Teologia da Libertação", nasceu católico-bolchevista. Chegando ao poder, namorou e terminou por se amancebar com a direita mais fisiológica e corrupta. Quando seu poder, devido principalmente a escândalos de corrupção, foi abalado, voltou ao figurino bolchevista e passou a rotular todos os adversários de "direitistas" e "fascistas". Eu não dou importância a patrulhamentos, mas há quem dê e há quem se confunda. Em política, é sempre conveniente esclarecer. Norberto Bobbio, no citado livro, exponencia a alternância de poder - alternância que se dá usualmente entre esquerda democrática e direita democrática - como condição inerente às regras do jogo democrático. Declarando-se do campo da esquerda dentro desse jogo, o filósofo cria uma bela imagem ao dizer que "a igualdade é a estrela polar da esquerda". Porém, outra estrela fulgura no céu democrático, e é a estrela da liberdade. Como tento demonstrar no meu ensaio, explicar essa indissociabilidade entre liberdade e igualdade na construção da democracia moderna constitui o escopo de grande parte da obra de Bobbio. Liberdade e igualdade que ele traduz politicamente por liberalismo e socialismo.

Não foi o bolchevismo que inventou a mentira, dizem que foi o Diabo, chamado também, dentre outros mil nomes, de "Pai da Mentira". Mas o bolchevismo fez da mentira o eixo de toda a sua "narrativa" histórica e de sua estratégia de proselitismo, de convencimento de ingênuos e idiotas. Apeados do poder, o PT e seus satélites radicalizam a velha estratégia bolchevista: mentem como o Diabo. E ameaçam apelar para a estratégia igualmente diabólica da violência. Não se pode prever com segurança se chegarão a extremos, mas a democracia precisa sempre estar prevenida contra as artes do Diabo.

Eu considero o marxismo uma doutrina ruim, porém concedo-lhe o crédito de ter sido, a partir da revisão de Eduard Bernstein, a origem da velha e boa social-democracia. É bem verdade que a revisão de Berstein foi tão larga que pouco sobrou de marxismo no ideário e, principalmente, na prática da Segunda Internacional, também dita Internacional Socialista. No amplo arco daquilo que podemos chamar de esquerda democrática, a social-democracia e o trabalhismo são as mais notáveis correntes; a elas me filio, da mesma forma que me filio ao liberalismo. Vejam, social-democracia e  trabalhismo não são alternativas à democracia liberal, são, para usar uma expressão de Bobbio, um "alargamento" desta. A prova disso é que se alternam no poder com partidos da direita democrática, conservadores ou liberais, dentro das regras da democracia representativa. Numa retrospectiva histórica, poder-se-á especular que, em países como a Alemanha e a Inglaterra, se agenda de promoção da classe trabalhadora levada a cabo pela social-democracia e pelo trabalhismo não fosse periodicamente equilibrada pela agenda econômica de partidos liberais e conservadores, esses países teriam quebrado e as conquistas sociais teriam ido para o espaço sideral. A social-democracia e o trabalhismo não prometeram o paraíso à classe trabalhadora, mas a levaram a conquistas formidáveis, na forma de benefícios concretos, avançando muito na construção dos direitos de igualdade material, exigência indeclinável da democracia moderna, juntamente com os direitos de liberdade, característicos do liberalismo clássico. A social-democracia e o trabalhismo não criaram o paraíso, mas criaram o "Welfare State". Esse "Estado de Bem-Estar Social" não é perfeito, mas sempre pode ser melhorado. Porém, antes de ser melhorado, precisa ser sustentado. E só pode ser sustentado por uma exponencial produção de riquezas que só tem sido possível nas economias de livre mercado, com propriedade privada dos meios de produção, iniciativa individual, concorrência, competição e lucro.

 Quanto ao marxismo-leninismo, além da economia totalmente estatizada, planificada e centralizada, produziu principalmente a desgraça da servidão e da morte; é tão repulsivo quanto o nazifascismo e deve ter o mesmo destino: a lata de lixo da história.

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