Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

"Revoluções para trás": ensaio de Washington Rocha analisado pelo historiador José Octávio de Arruda Mello

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Meus ensaios constantes do livro "Natureza e Excelência da Liberdade e da Democracia" mereceram análise crítica do Professor José Octávio de Arruda Mello, um dos mais importantes historiadores do Brasil. O ilustre e combativo intelectual, um dos mais atuantes no debate das ideias, especialmente no campo da política, faz algumas ressalvas aos meus escritos. Com algumas chego a concordar, mas com ressalvas. As minhas ressalvas das ressalvas serão apresentadas, mas não agora. Agora apresento a primeira análise de José Octávio, sobre o ensaio "Revoluções para trás", que foca as revoluções marxistas do século XX tendo como fonte de inspiração o "Discurso da Servidão Voluntária", de Étienne de La Boétie, escrito no século XVI. No próximo post, publicarei a análise de José Octávio sobre o ensaio "Ideal democrático e 'rude matéria': as lições de Norberto Bobbio". Depois, então, farei minha minha réplica. A crítica do ilustre historiador me honra e me anima para o debate.




DE LA BOÉTIE A NORBERTO BOBBIO EM WASHINGTON ROCHA
José Octávio de Arruda Mello (*)
(*) Historiador de ofício, como professor aposentado da UFPB e titular de História do Direito do UNIPÊ. Autor de História da Paraíba – Lutas e Resistência (13ª ed., 2014) e A Revolução Estatizada – Um Estudo sôbre a Formação do Centralismo em 30 (3ª ed., 2016).

            Leio com satisfação – embora sem concordar inteiramente com o autor – os ensaios de Washington Rocha preparados para a coletânea Natureza e Excelência da Liberdade e da Democracia, da Editora Ideia, em 2016.
            Servido por bibliografia que muito o recomenda, Washington foi meu aluno no Liceu do tumultuário ano de 1968. Mais anarquista que marxista – e não por acaso Proudhon aparece em seus insights – abdicou daqueles postulados em busca de visão social menos engajada, o que explica o segundo ensaio sôbre o transcendental politicólogo Norberto Bobbio.
            Este, como se sabe, faleceu em 2008, como um dos maiores pensadores do planeta. Segundo Washington, “Bobbio, que era declaradamente um político de esquerda, foi, em geral, contudente na sua crítica à esquerda autoritária”.
            A colocação ajusta-se à pretensão de Washington em proceder a uma crítica, de dentro da própria esquerda. Tal somente não se configura mais inteiramente porque, ao renunciar à sinistra, Washington não parece se ter encaminhado para variante modernista desta – a new left, por exemplo – como o italiano Bobbio, ou, mais remotamente, o alemão Eduard Bernstein, aos quais tanto admira.
            Algo arrependido da antiga militância ultraesquerdista, o irmão da competente geógrafa Gelza Rocha parece aproximar-se, por vezes, do anticomunismo o que chega a toldar sua extraordinária agudeza. Como nessa passagem do primeiro ensaio:
            “Por isso mesmo, damos atenção ao fato de que a ‘filosofia da práxis’ continue grandemente prestigiada, embora já devesse estar morta e enterrada”.
            Nisso as nossas diferenças. Ao tempo em que Washington afinava com o ultrasectarismo da esquerda, eu ancorava na centro-esquerda de João Mangabeira e Aneurin Bevan. Hoje, quando Washington se encaminha para a outra extremidade, continuo no mesmo lugar, o que explica minha afeição por Fernando Henrique Cardoso sobre o qual possuo livro sem pressa alguma de publicar.
            Uma de nossas outras divergências reside na experiência soviética. Para Washington, que dela se ocupa em “Revoluções para trás”, suas desfigurações já residem em Lenine, empenhado em fender as cabeças, de meio a meio.
            Quanto a mim, sigo a Hobsbawn, não o de Ecos da Marselheza, que não conheço, mas o de A Era dos Extremos que considero uma das mais instigantes criações da moderna Historiografia.
            A contrafação soviética proveio não tanto de Lenine, partidário do Estado comuna, inspirado na Comuna de Paris, de 1871, onde a autoridade se exercia por votação, mas do estalismo. Este é que, eliminando os sovietes e a velha guarda bolchevique, tanto concentrou o poder – que para Lenine seria federado – que a URSS terminou sucedânea do velho Império tzarista. Ou, como o situei em Mundo Hoje (1971): “na grande batalha invisível do século, a Rússia venceu a União Soviética”.
            Fora daí, todavia, “Revoluções para trás”, de Washington Alves da Rocha, possue passagens luminosas.
            Ele enxerga, corretamente, o viés iluminista do marxismo e a associação entre jacobinos e bolcheviques. A projeção totalitária da vontade geral de Rousseau, indutora do despotismo das massas e a grandeza doutrinária e revolucionária de Trotsky, comparado a Danton. W.R. também condena, com sabedoria, os malefícios do milenarismo proletário e o “charlatanismo político” do chavismo bolivariano, grotescamente autointitulado “socialismo do século XXI” e glorificado pelo PT, numa das mais ignóbeis construções deste partido político.
            Sensível à validade do marxismo revisionista dos alemães Karl Kautsky e Eduard Bernstein, o que mais me agrada em Washington Rocha é esse realce do francês Étienne de La Boétie com seu Discurso da Servidão Voluntária (1571).
            Explico melhor: essa valorização de autores anteriores a Hobsbawn e Bobbio, hoje equivale a um truismo. WR, porém, foi mais longe: recorreu a desconhecido autor do século XVI para fundamento de suas colocações.
            Nisso procedeu como Benedetto Croce e José Honório Rodrigues: a História é o Presente!

 


 

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