rocha100.blogspot.com.br
Eis aí o texto do historiador José Octávio de Arruda Mello sobre o ensaio "As lições de Norberto Bobbio", que conclui a sua análise crítica dos meus dois ensaios publicados no livro "Natureza e Excelência da Liberdade e da Democracia". No próximo post, a minha réplica.
DE LA BOÉTIE
A NORBERTO BOBBIO EM WASHINGTON ROCHA (II)
José Octávio
de Arruda Mello (*)
(*)
Historiador de ofício, como professor aposentado da UFPB e titular de História
do Direito do UNIPÊ. Autor de História da Paraíba – Lutas e Resistência
(13ª ed., 2014) e A Revolução Estatizada – Um Estudo sobre a Formação do
Centralismo em 30 (3ª ed., 2016).
Depois das considerações vertidas
sôbre o primeiro ensaio de Washington Rocha – “Revoluções para trás” (...) de
Natureza e Excelência da Liberdade e da Democracia (2016) – sinto-me tentado a
analisar o segundo de seus estudos – “Ideal democrático e ‘rude matéria’: as
lições de Norberto Bobbio”.
Creio que depois de Tarcísio Burity,
possuidor de dicionário do genial pensador italiano, foi o Grupo José Honório
quem, na Paraíba, mais valorizou a Norberto Bobbio.
Este ainda se encontrava vivo
quando, em 2004, pusemo-nos eu e Eilzo Matos a desenvolver “O Circuito de
Bobbio” que consistiu em, durante três dias, difundir seu pensamento junto às
Faculdades de Direito de Souza, Patos, Campina Grande e João Pessoa, em algumas
das quais eu lecionava.
Para tanto, valemo-nos de estudo de
Eilzo – Socialismo Liberal – Anotações sôbre o Pensamento Político de
Norberto Bobbio (mimeo, 2004) – onde Bobbio se aproxima de John Rawls, com
vistas à criação de uma sociedade socialista, nos limetes do Estado moderno.
Nossa experiência
pedagógico-filosófica foi por mim incorporada, em 2008, ao manual História
do Direito e da Política (2008), editado pela Linha D’Agua. Nele, após
considerar os epígonos da Filosofia do Direito dos anos vinte – Pitirim A.
Sorokin, Mirkine Guetzevitch e Harold/Laski – debrucei-me sôbre os pensadores
modernos capazes de fundir Filosofia do Direito, Política e História.
Ao lado de Antônio Gramsci, Ralph
Dahdhendorf, Michel Foucault e Hannah Arendt, vários dos quais citados por
Washington Rocha, um deles é Norberto Bobbio. Deste recorremos a entrevista de
páginas amarelas de Veja, de 7 de novembro de 1949, onde o pensador peninsular
assim se pronuncia:
“Sou um liberal que se defronta com
a injustiça da sociedade capitalista e por isso chega ao socialismo. Não excluo
a possibilidade de um encontro entre as duas idéias. Sou laico e acredito que a
política não admite dogmas. O que vale é o espírito crítico. E não acredito que
os comunistas tenham dado todos os passos necessários para evoluirem de certo
dogmatismo rumo ao espírito crítico”.
Bingo para o antigo aluno do Liceu.
Isso porque, consoante Washington, “Bobbio enfrentou as críticas à democracia
advindas da esquerda marxista durante um debate de décadas; sendo que as
fórmulas por ele apresentadas caminharam no sentido da possibilidade de realização
das promessas do socialismo com os instrumentos e nos limites da democracia”.
Em “Ideal Democrático e Rude
Matéria”, seu autor não fica nisso. Considerando a seu objeto como “um
democrata de esquerda, defensor do liberal-socialismo”, Washington abre-se para
a seguinte postura bobbiana:
“(...) Disto segue que o Estado
liberal é o pressuposto não só histórico mas jurídico do Estado democrático.
Estado democrático e Estado liberal são interdependentes em dois modos: na
direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias
certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção
oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o
poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades
fundamentais”.
Com base nesses pressupostos,
Washington Rocha conceitua sempre corretamente a Norberto Bobbio. Afastando-o
da teoria das elites de Mosca e Paretto, seu intérprete conceitua-o como
democrata, conforme bobbio:
“Mas a renúncia ao uso da violência
para conquistar e exercer o poder é a característica do método democrático
cujas regras constitutivas prescrevem vários procedimentos para a tomada de
decisões coletivas por meio de livre debate, que pode dar origem ou a uma
decisão acordada ou a uma decisão tomada pela maioria. Prova disso é que, num
sistema democrático, a alternância entre governos de direita e esquerda é
possível e legítima”.
Não são poucas as novidades da
exegese de Bobbio por Washington Rocha. Uma delas sua vinculação a Thomas
Hobbes porque “(...) otimista ou pessimista. A rigor é realista. O otimismo
está na intenção, na esperança e na
perseverança; o pessimismo, na constatação das limitações humanas ou dos pendores
destrutivos da natureza humana”.
Outra, contida às páginas 142/3 é a
maneira como o entusiasmo de Bobbio, nesse ponto equivalente ao de Washington,
repudia o fanatismo da extrema esquerda e a indiferença da Direita para recair
no entusiasmo como ingrediente da democracia:
“Norberto Bobbio poderá ser tomado
como protótipo de cidadão arrebatado pela ‘ideologia democrática do
entusiasmo’: durante toda a sua vida de intensos embates políticos, manteve-se
distante tanto da indiferença quanto do fanatismo”.
Para concluir, o que me pergunto é
se, impressionado com o liberalismo de Bobbio, W.R. não percebeu a dimensão também
socialista – e nesse caso esquerdizante de seu pensamento.
Esse é o ponto para o qual o saudoso
Nelson Saldanha me chamava a atenção. Quando, de certa feita, telefonei para o jurisfilósofo
pernambucano, este me advertiu:
– Não se esqueça de que Bobbio é
socialista!
É o que ora passo a Washington Rocha.
É necessário que a crítica ao sectarismo de esquerda não fique no liberalismo
formal e recaia no socialismo (democrático), sem o que corremos o risco de nos
filiarmos às falácias do neo-liberalismo. É onde sustento que o marxismo não
deve ser recusado em bloco, mas revisado.
Fora daí, os estudos de Washington
sôbre as Revoluções e Norberto Bobio são da melhor qualidade, impondo discussão
crítica. O primeiro é contra: o sectarismo, “o neomarxismo zumbi”, o
estreitismo bolchevique, a revolução proletária, a monstruosidade chavista, o
despotismo da maioria de Rousseau.
Já o segundo é a favor. Da
democracia shumpeteriana, fundada no planejamento. Das teses de O
Federalista de Madison. Das utopias de Martin Luther King. Da sociedade
aberta de Henri Bergson e Karl Popper. Das linhas gerais do discurso de
Péricles.
Em ambos os casos, vislumbra-se a
marca de um dos mais argutos cientistas sociais paraibanos de nossos dias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário