Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

sábado, 20 de agosto de 2016

As lições de Norberto Bobbio

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Eis aí o texto do historiador José Octávio de Arruda Mello sobre o ensaio "As lições de Norberto Bobbio", que conclui a sua análise crítica dos meus dois ensaios publicados no livro "Natureza e Excelência da Liberdade e da Democracia". No próximo post, a minha réplica.




DE LA BOÉTIE A NORBERTO BOBBIO EM WASHINGTON ROCHA (II)
José Octávio de Arruda Mello (*)
(*) Historiador de ofício, como professor aposentado da UFPB e titular de História do Direito do UNIPÊ. Autor de História da Paraíba – Lutas e Resistência (13ª ed., 2014) e A Revolução Estatizada – Um Estudo sobre a Formação do Centralismo em 30 (3ª ed., 2016).

                Depois das considerações vertidas sôbre o primeiro ensaio de Washington Rocha – “Revoluções para trás” (...) de Natureza e Excelência da Liberdade e da Democracia (2016) – sinto-me tentado a analisar o segundo de seus estudos – “Ideal democrático e ‘rude matéria’: as lições de Norberto Bobbio”.
            Creio que depois de Tarcísio Burity, possuidor de dicionário do genial pensador italiano, foi o Grupo José Honório quem, na Paraíba, mais valorizou a Norberto Bobbio.
            Este ainda se encontrava vivo quando, em 2004, pusemo-nos eu e Eilzo Matos a desenvolver “O Circuito de Bobbio” que consistiu em, durante três dias, difundir seu pensamento junto às Faculdades de Direito de Souza, Patos, Campina Grande e João Pessoa, em algumas das quais eu lecionava.
            Para tanto, valemo-nos de estudo de Eilzo – Socialismo Liberal – Anotações sôbre o Pensamento Político de Norberto Bobbio (mimeo, 2004) – onde Bobbio se aproxima de John Rawls, com vistas à criação de uma sociedade socialista, nos limetes do Estado moderno.
            Nossa experiência pedagógico-filosófica foi por mim incorporada, em 2008, ao manual História do Direito e da Política (2008), editado pela Linha D’Agua. Nele, após considerar os epígonos da Filosofia do Direito dos anos vinte – Pitirim A. Sorokin, Mirkine Guetzevitch e Harold/Laski – debrucei-me sôbre os pensadores modernos capazes de fundir Filosofia do Direito, Política e História.
            Ao lado de Antônio Gramsci, Ralph Dahdhendorf, Michel Foucault e Hannah Arendt, vários dos quais citados por Washington Rocha, um deles é Norberto Bobbio. Deste recorremos a entrevista de páginas amarelas de Veja, de 7 de novembro de 1949, onde o pensador peninsular assim se pronuncia:
            “Sou um liberal que se defronta com a injustiça da sociedade capitalista e por isso chega ao socialismo. Não excluo a possibilidade de um encontro entre as duas idéias. Sou laico e acredito que a política não admite dogmas. O que vale é o espírito crítico. E não acredito que os comunistas tenham dado todos os passos necessários para evoluirem de certo dogmatismo rumo ao espírito crítico”.
            Bingo para o antigo aluno do Liceu. Isso porque, consoante Washington, “Bobbio enfrentou as críticas à democracia advindas da esquerda marxista durante um debate de décadas; sendo que as fórmulas por ele apresentadas caminharam no sentido da possibilidade de realização das promessas do socialismo com os instrumentos e nos limites da democracia”.
            Em “Ideal Democrático e Rude Matéria”, seu autor não fica nisso. Considerando a seu objeto como “um democrata de esquerda, defensor do liberal-socialismo”, Washington abre-se para a seguinte postura bobbiana:
            “(...) Disto segue que o Estado liberal é o pressuposto não só histórico mas jurídico do Estado democrático. Estado democrático e Estado liberal são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais”.
            Com base nesses pressupostos, Washington Rocha conceitua sempre corretamente a Norberto Bobbio. Afastando-o da teoria das elites de Mosca e Paretto, seu intérprete conceitua-o como democrata, conforme bobbio:
            “Mas a renúncia ao uso da violência para conquistar e exercer o poder é a característica do método democrático cujas regras constitutivas prescrevem vários procedimentos para a tomada de decisões coletivas por meio de livre debate, que pode dar origem ou a uma decisão acordada ou a uma decisão tomada pela maioria. Prova disso é que, num sistema democrático, a alternância entre governos de direita e esquerda é possível e legítima”.
            Não são poucas as novidades da exegese de Bobbio por Washington Rocha. Uma delas sua vinculação a Thomas Hobbes porque “(...) otimista ou pessimista. A rigor é realista. O otimismo está na intenção, na esperança  e na perseverança; o pessimismo, na constatação das limitações humanas ou dos pendores destrutivos da natureza humana”.
            Outra, contida às páginas 142/3 é a maneira como o entusiasmo de Bobbio, nesse ponto equivalente ao de Washington, repudia o fanatismo da extrema esquerda e a indiferença da Direita para recair no entusiasmo como ingrediente da democracia:
            “Norberto Bobbio poderá ser tomado como protótipo de cidadão arrebatado pela ‘ideologia democrática do entusiasmo’: durante toda a sua vida de intensos embates políticos, manteve-se distante tanto da indiferença quanto do fanatismo”.
            Para concluir, o que me pergunto é se, impressionado com o liberalismo de Bobbio, W.R. não percebeu a dimensão também socialista – e nesse caso esquerdizante de seu pensamento.
            Esse é o ponto para o qual o saudoso Nelson Saldanha me chamava a atenção. Quando, de certa feita, telefonei para o jurisfilósofo pernambucano, este me advertiu:
            – Não se esqueça de que Bobbio é socialista!
            É o que ora passo a Washington Rocha. É necessário que a crítica ao sectarismo de esquerda não fique no liberalismo formal e recaia no socialismo (democrático), sem o que corremos o risco de nos filiarmos às falácias do neo-liberalismo. É onde sustento que o marxismo não deve ser recusado em bloco, mas revisado.
            Fora daí, os estudos de Washington sôbre as Revoluções e Norberto Bobio são da melhor qualidade, impondo discussão crítica. O primeiro é contra: o sectarismo, “o neomarxismo zumbi”, o estreitismo bolchevique, a revolução proletária, a monstruosidade chavista, o despotismo da maioria de Rousseau.
            Já o segundo é a favor. Da democracia shumpeteriana, fundada no planejamento. Das teses de O Federalista de Madison. Das utopias de Martin Luther King. Da sociedade aberta de Henri Bergson e Karl Popper. Das linhas gerais do discurso de Péricles.
            Em ambos os casos, vislumbra-se a marca de um dos mais argutos cientistas sociais paraibanos de nossos dias. 

 


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