Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

WJ Solha e o Marco do "Marco do Mundo"

W. J. Solha é um gênio. Escrevi isso mais de uma vez e ele não gostou. Que é que posso fazer?
Faz tempo - eu já considerava o romance Israel Rêmora uma obra-prima, mas nem sabia que Solha era pintor -, estando a perambular pela Reitoria da UFPB, deparei-me com uma exposição de quadros de Solha retratando personagens de Shakespeare: em se tratando da arte da pintura, foi o maior impacto artístico da minha vida. Recentemente, Solha publicou no excelente ELTHEATRO.COM uma longa série de ensaios intitulados "Breves e Ilustradíssimos" (ou "Brevíssimos e Ilustrados", uma coisa assim); nem todos breves, mas todos geniais. Ensaios artístico-filosóficos de espantosa erudição, sem similar no Brasil.
Genialidade na Paraíba, aliás, não é coisa rara; e Solha é paraibano, de Pombal, embora tenha nascido em São Paulo.
Admirador e fã, tenho, não obstante, implicado com uma determinada intenção filosófico-literária de W. J. Solha: a desconstrução do cristianismo. Tal implicância se explica facilmente pelo fato de ser eu um cristão devoto e fervoroso. Porém, o que é difícil de explicar é o seguinte: apesar de pretender desconstruir o cristianismo, a maior e melhor parte da obra do angustiado gênio de Pombal é repassada, ou transpassada, por genuíno espírito cristão; se não a fé e a esperança, pelo menos a caridade.

Parêntese: embora a angústia seja tema recorrente na sua obra (daí o epíteto acima referido), Solha não é, de fato, um angustiado. Também não é doido. Esse, aliás, é o único possível motivo para se desconfiar da genialidade de Solha, porquanto os gênios, de ordinário, são abilolados e sofrem horrores com a chamada "angústia existencial".

Todavia, embora sereno, equilibrado, ponderado e lógico, o Anticristo de Pombal teve lá, um dia, sua agonia. E recebeu a visita de, vejam só...: Jesus Cristo; em pessoa.
Pior do que Tomé, um teimoso rude, o sofisticado intelectual marxista não acreditou no que seus olhos viram.
Isso faz tempo. Voltemos aos dias de hoje.

Acabei de ler, e reler, o mais novo livro de Solha, um longo poema intitulado Marco do Mundo. Esplêndido, mas é preciso alguma erudição para entendê-lo. Eu fiz o que pude.
Já de início, Solha estabelece a grandeza do "Marco do Mundo" citando os maiores poetas-cordelistas do Mundo: João Martins de Athayde e Leandro Gomes de Barros.
Diz Solha: 


"No Marco do Meio do Mundo, de 1915, Athayde concebe uma torre de cujo cume se avista


São Paulo e Rio de Janeiro
a Italia e Allemanha
Suissa, França e Hespanha
Portugal sendo o primeiro.


Leandro Gomes de Barros, em Como Derribei o Marco do Meio do Mundo, diz, lá pelas tantas:


A pedra que forma o arco
Tem tres léguas de grossura
Entrou na areia do mar
Dois mil metros de fundura
E da flor d'água p'ra cima
Tem vinte léguas de altura."

Aí, o poeta de Pombal inicia seu próprio poema com uma elegante declaração de modéstia que abre um oceano de erudição e genialidade:

"Abre-se o abismo de pedra e susto
e,
de cristal e prata,
duzentas e setenta cataratas,
como as de Foz de Iguaçu, na Garganta do Diabo,
cavam, sem problema, a fundação do poema,
com grande largura,


...mas sem descer cem metros no chão da literatura".

Certamente, não vou transcrever o poema inteiro. Quero apenas dar a ideia, o clima, a grandeza do Marco do Mundo que Solha pretende construir, ou descobrir. Para, enfim, chegar ao ponto que mais me interessa.

Pelo que entendi (já disse que o poema é erudito e complicado), o poeta descreve a construção civilizatória do Mundo e põe como Marco do Mundo, sabem quem? Pois é..., Jesus Cristo.

Lá está, pelo meio do livro, mais claramente da página 43 à página 51, a Paixão do Cordeiro de Deus.

Como na página 45:

Aí,
os envolvidos na construção do Marco vêm, fascinados
de todos os lados,
ver a Paixão,
que chega ao vivo,
[...]

Ou na página 49, continuando na 50:

Aí,
a mãe não aguenta o sufoco,
a cena recua,
sente-se um...oco,
a Nau dos insensatos passa - de surpresa - ante ela,
velas acesas,
e um rio flui
ao sol,
cheio de lantejoulas,
e o mar
quase ar,
sob o céu,
quase véu,
tem um pássaro que se fecha em flecha de mergulho,
em julho.

Lá para o fim tem uma referência ao "Natal do Sol Invicto" e o poeta diz que o "Sol é a Luz do Mundo".
Bem, o "Sol Invicto" foi um deus para um Anticristo mais antigo, Juliano Apóstata, Imperador de Roma que, no séc IV, tentou extinguir o cristianismo para fazer ressurgir os deuses olímpicos.
No magnífico romance A Morte dos Deuses (de Dmitri Merejkowski, um gênio russo da estirpe de Dostoiévski), o sacerdote pagão Máximo diz ao Imperador que ele, Imperador, não conseguirá destruir o cristianismo porque tornara-se piedoso; como um cristão.

W. J. Solha construiu uma imensa obra artística, literária e filosófica; mas esta obra, malgrado seu autor, jamais constituiu qualquer ameaça ao cristianismo. No caso deste Marco do Mundo, quem não estiver bem avisado do ateísmo de Solha, poderá até pensar que o poeta tem uma certa fascinação pelo Cristo.


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