Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

"O Nome da Rosa" e o Nome do Mensalão

O título do famoso romance de Umberto Eco ecoa uma célebre polêmica da história da filosofia, a "Questão dos Universais". Essa questão ocupou as mais vigorosas mentes do século XI e XII, envolvendo, dentre outros Pedro Abelardo, o malfadado amante de Heloísa.
O problema remonta a Platão. O Platonismo pretende que todas as coisas do mundo, singulares e imperfeitas, sejam cópias de uma realidade perfeita que existe no Mundo das Ideias. Por exemplo: cada rosa singular - precária e perecível - seria cópia da Rosa perfeita e eterna que existe no Mundo das Ideias. Da mesma forma, cada mulher, homem, bicho, planta ou objeto inanimado; tudo que existe no mundo ilusório em que vivemos seria mera sombra, cópia, projeção da respectiva matriz do Mundo das Ideias. Porém estas realidades ideais e eternas não são sensíveis, não têm a ver com o mundo empírico, elas são apenas inteligíveis.
Essas matrizes únicas de infinidades de singulares passaram, na filosofia medieval, a ser denominadas de "universais". A Rosa é um universal. A rosa que desabrochou hoje no seu jardim, caro leitor e cara leitora, rosa que vai murchar, despetalar e fenecer, é um singular, cópia imperfeita daquela Rosa perfeita e eterna do Mundo das Ideias.
Essa Teoria das Ideias de Platão teve formidável influência na história da filosofia, com tantos adeptos quanto desafetos.

Na Baixa Idade Média essa questão ocupou o centro do debate intelectual, dividindo os filósofos em dois campos: "realistas" e "nominalistas". Os "realistas" eram platônicos que afirmavam a realidade dos universais. Os "nominalistas" consideravam que os universais não tinham existência própria, seriam apenas "nomes", meramente emissões vocálicas - flatus voces -, e que só os singulares a que esses nomes se referiam tinham existência própria.
Considera-se que o grande Pedro Abelardo deu a melhor resposta para a questão. Muito resumidamente: os universais não teriam realidade autônoma lá no Hiperurânio (região do mundo das Ideias), mas também não seriam apenas flatus voces, pelo contrário, seriam importantes instrumentos/mecanismos do pensamento que agrupam na compreensão as infinidade dos singulares, que não podem ser compreendidos um a um. Esse mecanismo de percepção, apreensão e compreensão do mundo empírico constitui b-a-bá do aprendizado. São os conceitos.
Devemos entender que conceitos são representações abstratas unificadoras. Sem tais abstrações, o discurso racional seria impossível, dada a infinidade dos referentes singulares.

E o que tem essa conversa toda a ver com o "Nome do Mensalão"? Tem que os defensores dos mensaleiros vêem de dar imensa contribuição à filosofia e à linguística, avançando a mais ousada das teorias: a de que as abstrações têm realidade física, corporal.
Vejam: eles, defensores dos mensaleiros, afirmam que o mensalão nunca existiu, e desafiam quem diz o contrário a provar a existência do mensalão; não demonstrando o mensalão, mas mostrando o mensalão.

O Ministério Público Federal demonstrou exaustivamente a existência do mensalão. Todo mundo que acompanhou o escândalo constatou a enormidade das falcatruas. Alguns réus reconhecem algumas dessas falcatruas, como o Caixa 2. Mas, respondem os defensores dos mensaleiros, nada disso é mensalão. Alguns mensaleiros receberam um grande bolada de uma vez só. Outros receberam mais de uma vez por mês; mas não está provado que alguém tenha recebido, rigorosamente, mês a mês. Então, cadê o mensalão?
Eles querem ver o mensalão, tocar o mensalão, cheirar o mensalão; para poderem acreditar que existiu.
O mensalão está para os mensaleiros como o corpo da vítima de um crime de assassinato está para o assassino. Se o corpo não aparecer, o assassino se safa.
Os mensaleiros e seus defensores não aceitam nada menos que o corpo do mensalão.
Se os ministros do STF aceitarem a tese, os mensaleiros estarão salvos.
Eis a questão: o mensalão não é uma pessoa ou um bicho; nem sequer um objeto. O mensalão é meramente um conceito, um "nome". No caso, o nome designativo de um escândalo de corrupção, com variados entes envolvidos em variadas circunstâncias.
Os mensaleiros podem estar sossegados, o corpo do mensalão não vai aparecer.

Porém, ai porém, os defensores dos mensaleiros querem obter uma segunda vitória: fazer desaparecer o nome. Um advogado do PT quer restabelecer a censura dos tempos da ditadura para proibir a imprensa de usar a expressão "mensalão". É uma idéia de jerico. Acho que não prospera, mas mesmo que prosperasse, continuaria a ser uma idéia de jerico; pois o termo seria imediatamente substituído por outro, que logo se tornaria pejorativo, porque a pejoração não está no nome, está naquilo que o nome designa.

O advogado do PT exige que no lugar de "mensalão" seja usada a expressão "Ação Penal 470".
Vejam um primeiro resultado da referida idéia de jerico: o humorista Sponhoz (o melhor do Brasil) já tratou de fazer uma charge em que os três irmãos metralhas aparecem com suas características roupas de presidiário com números estampados, respectivamente: 470-171; 470-172 e 470-173.

Vou parar por aqui. Vou reler uns trechos de "O Nome da Rosa",  a ver se me chega inspiração para escrever o terceiro capítulo desta saga mensalônica. Quer dizer, o assunto já tenho na cabeça, só falta o nome; que o queria bem sugestivo.



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