"Poder,
Alegria dos Homens":
um
livro afrodisíaco
por
Washington Rocha
O grande Ulisses
Guimarães, pai de Nova República, dizia: “O poder é
afrodisíaco”. O poderoso Henry Kissinger também: “O
Poder é o afrodisíaco mais forte”; e ainda: “O
poder é o último afrodisíaco”. Na verdade, esse é um
conhecimento velho como o mundo. Sendo que Ulisses viveu até longa
idade, muito terá feito uso dessa versão imemorial do viagra.
Kissinger, aos 89 anos, continua ativo intelectual e amorosamente. O
ex-primeiro ministro italiano Sílvio Berlusconi, de 76 anos, está
com uma namorada de 27; e está preparando sua volta ao cargo: aí, arranja uma de
17.
Desde sempre, os homens
lutaram pelo poder; só alguns poucos atingiram seus cumes, e estão
na história.
O primeiro livro
publicado por Marcus Odilon Ribeiro Coutinho trata disso: o Poder. O feliz
título, adaptado de uma peça sacra – a celebérrima cantata
“Jesus, Alegria dos Homens”,
de Johann Sebastian Bach –, traz para a profana sensualidade aquilo
que no mestre alemão era alegria mística. Com efeito, o poder é a
mais profana das alegrias. Tal alegria foi exaltada pelo filósofo,
autodeclarado Anticristo, Friedrich Nietzsche, que se refere à
“glória e prazer de mandar”.
Já nas epígrafes do
livro de Marcus Odilon, consta um paraibano famoso pela obsessão por
poder e sexo: Assis Chateaubriand. Vejam:
“O poder engana
e atormenta.
É doce como
sapotí, dá mais
fôrça do que
mão de vaca e
mais alegria do
que cana de
cabeça”.
Para quem não sabe,
“mão de vaca” é uma deliciosa iguaria sertaneja, um pirão com
tutano, comida de muita 'sustança' feita com as patas dianteiras da
vaca. Um santo remédio, afrodisíaco poderoso que levanta até
defunto.
Como viram, a epígrafe
de Chateaubriand está em grafia antiga. O livro foi publicado
(Gráfica A Imprensa – João Pessoa-PB) no distante ano de 1965. O
autor, apesar de muito jovem, já tinha algum poder: era prefeito em
Juarez Távora. E tinha, o que nunca lhe abandonou: a ambição
sincera e confessada, o gosto, o prazer, a voluptuosidade do poder.
Sem que o poder seja
uma paixão, uma espécie de vício, considera o autor que é melhor
que se abandone o ofício da política, que não é coisa para
inapetentes. A páginas tantas, Marcus Odilon lança mão de um
ditado popular (e usará muitos outros ao longo do livro, confessando
seu apego à sabedoria de Mestre Povo): “O diabo leve o Poder
que não pode”. Daquele Diocleciano, imperador romano que
deixou o trono para se dedicar ao cultivo de hortaliças, diz,
jocosamente: “grande vocação de verdureiro”.
No livro de Marcus as
citações históricas são recorrentes – e são precisas –,
erudição surpreendente em uma autor tão jovem. Se a história
universal serve de pano de fundo, a política da Paraíba daquela
época, meados do séc. XX, é observada nos detalhes, com um exato
foco: a luta pelo poder (o período exato de enfoque está dito no
livro: “A Paraíba, na nossa observação, inicia-se em 1930
e termina em nossos dias”).
Se a Paraíba é o
quadro, a Idéia que o anima é o Poder, sempre grafado por Marcus
Odilon com inicial maiúscula. Enfatiza o autor: “A nossa
intenção não é definir, é exaltar o Poder”. A sua
inspiração é inequivocamente Maquiavel: a ação política se
justifica pela procura do bem coletivo, o qual não se pode promover
sem ter alcançado o poder; então, antes de tudo, é preciso agir
para alcançar e manter o poder. Ou seja: em política, feio mesmo é
perder. Nas suas palavras:
“Não só
Cícero, mas todo político, em qualquer tempo, ambiciona o mando,
com todas as suas fôrças; ódio, o amor, inveja e dever […] só
no exercício do govêrno é que se pode levar o bem ao povo […] Só
o inerte, o que pensa só em si, não faz nada. Não move as rodas da
história. É muito difícil chegar ao Poder. Quando o tem é por
herança e mesmo assim não o conserva. Luiz XVI é um desses casos.
Terminou não só sem a corôa na cabeça, mas sem a cabeça no
corpo” […] Daí se conclui e é elementar que, para ter o Poder,
é preciso querê-lo sobre todas as coisas. Obsessão pelo mando.
Sensualizar-se com o govêrno, isto sim”.
Da importância do
livro inaugural de Marcus Odilon para a historiografia, não precisa
que eu fale, outros já o fizeram; inclusive aquele mestre maior da
intelectualidade da época, Virgínius da Gama e Melo, no extenso e
excelente prefácio com que enriquece o livro do jovem companheiro de
literatura. Cito algumas passagens:
“Livro que se
inscreve antecipadamente ao debate é este volume de Marcus Odilon
Ribeiro Coutinho […] Por isso a crônica de Marcus Odilon Ribeiro
Coutinho interessará a todos os círculos políticos do país,
inclusive seus estudiosos e teóricos de sociologia política e
digamos duma possível antropologia política […] As personagens de
Marcus Odilon Ribeiro Coutinho – fala-se de personagens, pois que,
se de existência histórica, neste livro, de tão vivas que se
apresentam, parecem coloridas dessa humanidade além que é a ficção.
Não houvesse ainda a grande personagem do livro – o poder –
objetivo das personagens secundárias e objeto da obra – sempre o
elemento polarizador da alma humana, fonte e “alegria dos homens”
[…] Os líderes paraibanos, mesmo os de âmbito nacional, passam
por essa crônica pitoresca, não raro contundente, despidos das
vestes que a legenda temporal ou a posição política lhes andou
criando para o panorama brasileiro […] Mas é aqui onde entra a
sutileza maquiavélica do jovem autor, dissimulando-se em cronista,
alegre na severidade, tolerante na condenação, cordial e humana,
convicto de que, na província, é onde mais somos todos irmãos”.
Dada a excelência do
prefácio de Virgínius, que realça a excelência do livro, o que
mais resta a dizer é que “Poder, Alegria dos Homens” está
precisando de uma reedição.
Washington Alves da
Rocha.
João Pessoa,
16/12/2012.
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