Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

domingo, 16 de dezembro de 2012

"Poder, Alegria dos Homens": um livro afrodisíaco


"Poder, Alegria dos Homens":
um livro afrodisíaco

por Washington Rocha

O grande Ulisses Guimarães, pai de Nova República, dizia: “O poder é afrodisíaco”. O poderoso Henry Kissinger também: “O Poder é o afrodisíaco mais forte”; e ainda: “O poder é o último afrodisíaco”. Na verdade, esse é um conhecimento velho como o mundo. Sendo que Ulisses viveu até longa idade, muito terá feito uso dessa versão imemorial do viagra. Kissinger, aos 89 anos, continua ativo intelectual e amorosamente. O ex-primeiro ministro italiano Sílvio Berlusconi, de 76 anos, está com uma namorada de 27; e está preparando sua volta ao cargo: aí, arranja uma de 17.

Desde sempre, os homens lutaram pelo poder; só alguns poucos atingiram seus cumes, e estão na história.

O primeiro livro publicado por Marcus Odilon Ribeiro Coutinho trata disso: o Poder. O feliz título, adaptado de uma peça sacra – a celebérrima cantata “Jesus, Alegria dos Homens”, de Johann Sebastian Bach –, traz para a profana sensualidade aquilo que no mestre alemão era alegria mística. Com efeito, o poder é a mais profana das alegrias. Tal alegria foi exaltada pelo filósofo, autodeclarado Anticristo, Friedrich Nietzsche, que se refere à “glória e prazer de mandar”.

Já nas epígrafes do livro de Marcus Odilon, consta um paraibano famoso pela obsessão por poder e sexo: Assis Chateaubriand. Vejam:

O poder engana e atormenta.
É doce como sapotí, dá mais
fôrça do que mão de vaca e
mais alegria do que cana de
cabeça”.

Para quem não sabe, “mão de vaca” é uma deliciosa iguaria sertaneja, um pirão com tutano, comida de muita 'sustança' feita com as patas dianteiras da vaca. Um santo remédio, afrodisíaco poderoso que levanta até defunto.

Como viram, a epígrafe de Chateaubriand está em grafia antiga. O livro foi publicado (Gráfica A Imprensa – João Pessoa-PB) no distante ano de 1965. O autor, apesar de muito jovem, já tinha algum poder: era prefeito em Juarez Távora. E tinha, o que nunca lhe abandonou: a ambição sincera e confessada, o gosto, o prazer, a voluptuosidade do poder. 

Sem que o poder seja uma paixão, uma espécie de vício, considera o autor que é melhor que se abandone o ofício da política, que não é coisa para inapetentes. A páginas tantas, Marcus Odilon lança mão de um ditado popular (e usará muitos outros ao longo do livro, confessando seu apego à sabedoria de Mestre Povo): “O diabo leve o Poder que não pode”. Daquele Diocleciano, imperador romano que deixou o trono para se dedicar ao cultivo de hortaliças, diz, jocosamente: “grande vocação de verdureiro”.

No livro de Marcus as citações históricas são recorrentes – e são precisas –, erudição surpreendente em uma autor tão jovem. Se a história universal serve de pano de fundo, a política da Paraíba daquela época, meados do séc. XX, é observada nos detalhes, com um exato foco: a luta pelo poder (o período exato de enfoque está dito no livro: “A Paraíba, na nossa observação, inicia-se em 1930 e termina em nossos dias”).

Se a Paraíba é o quadro, a Idéia que o anima é o Poder, sempre grafado por Marcus Odilon com inicial maiúscula. Enfatiza o autor: “A nossa intenção não é definir, é exaltar o Poder”. A sua inspiração é inequivocamente Maquiavel: a ação política se justifica pela procura do bem coletivo, o qual não se pode promover sem ter alcançado o poder; então, antes de tudo, é preciso agir para alcançar e manter o poder. Ou seja: em política, feio mesmo é perder. Nas suas palavras:

Não só Cícero, mas todo político, em qualquer tempo, ambiciona o mando, com todas as suas fôrças; ódio, o amor, inveja e dever […] só no exercício do govêrno é que se pode levar o bem ao povo […] Só o inerte, o que pensa só em si, não faz nada. Não move as rodas da história. É muito difícil chegar ao Poder. Quando o tem é por herança e mesmo assim não o conserva. Luiz XVI é um desses casos. Terminou não só sem a corôa na cabeça, mas sem a cabeça no corpo” […] Daí se conclui e é elementar que, para ter o Poder, é preciso querê-lo sobre todas as coisas. Obsessão pelo mando. Sensualizar-se com o govêrno, isto sim”.

Da importância do livro inaugural de Marcus Odilon para a historiografia, não precisa que eu fale, outros já o fizeram; inclusive aquele mestre maior da intelectualidade da época, Virgínius da Gama e Melo, no extenso e excelente prefácio com que enriquece o livro do jovem companheiro de literatura. Cito algumas passagens:

Livro que se inscreve antecipadamente ao debate é este volume de Marcus Odilon Ribeiro Coutinho […] Por isso a crônica de Marcus Odilon Ribeiro Coutinho interessará a todos os círculos políticos do país, inclusive seus estudiosos e teóricos de sociologia política e digamos duma possível antropologia política […] As personagens de Marcus Odilon Ribeiro Coutinho – fala-se de personagens, pois que, se de existência histórica, neste livro, de tão vivas que se apresentam, parecem coloridas dessa humanidade além que é a ficção. Não houvesse ainda a grande personagem do livro – o poder – objetivo das personagens secundárias e objeto da obra – sempre o elemento polarizador da alma humana, fonte e “alegria dos homens” […] Os líderes paraibanos, mesmo os de âmbito nacional, passam por essa crônica pitoresca, não raro contundente, despidos das vestes que a legenda temporal ou a posição política lhes andou criando para o panorama brasileiro […] Mas é aqui onde entra a sutileza maquiavélica do jovem autor, dissimulando-se em cronista, alegre na severidade, tolerante na condenação, cordial e humana, convicto de que, na província, é onde mais somos todos irmãos”.

Dada a excelência do prefácio de Virgínius, que realça a excelência do livro, o que mais resta a dizer é que “Poder, Alegria dos Homens” está precisando de uma reedição.

Washington Alves da Rocha.

João Pessoa, 16/12/2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário