Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

sábado, 30 de setembro de 2017

A taxa da Máfia

Os defensores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (PL 8.703/17), dentre outros argumentos ruins, usam um que é também criminoso. Dizem que se não houver financiamento público, os políticos se corromperão com financiamento do crime organizado. O senador Randolfe Rodrigues (Rede), que tem lutado contra o projeto imoral, resumiu muito bem a ideia dos mamateiros:

"Eles querem que a gente pague para que eles parem de roubar".

Vejam, pelo argumento referido, o Fundo de Campanha funcionaria como uma "taxa de proteção". Como se sabe, esse típico crime de extorsão é marca característica da Máfia: quem não paga, tem seu negócio destruído, é espancado ou assassinado; quem paga direitinho é poupado, fica "protegido". No caso em tela, dos nossos políticos, acho que os de índole corrupta se corromperão de qualquer forma, recebendo dinheiro em dobro. E mais: quem precisa ser pago para não se corromper, já está se corrompendo. Percebam a conclusão tenebrosa: usando dinheiro arrancado do contribuinte, que é o Povo, o Estado será o corruptor. 

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Fundo Imoral tem de ser derrubado

Aprovado às pressas no Senado, o Projeto de Lei 8703/17, que cria o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) não conseguiu, na noite da quarta-feira (27/09), na Câmara Federal, aprovação da urgência da sua votação. Os defensores da mamata voltarão à carga na próxima semana. Será a última cartada, pois o prazo limite para esse troço valer nas próximas eleições é 07 de outubro. Este Fundo Imoral, como todos sabem, arranca uma grana bilionária dos já arrombados cofres públicos para que os políticos façam uma tremenda farra eleitoral em 2018 (é bom lembrar que eles já mamam, faz tempo, na chupeta do Fundo Partidário). O PL em tramitação substitui a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 77/03), que teve o merecido repúdio da sociedade e não prosperou, mesmo porque precisava para aprovação da maioria qualificada de três quintos (308 votos na Câmara, 49 votos no Senado). Ora, os espertos substituíram a PEC por um Projeto de Lei, que não requer  maioria qualificada. O jeito é a sociedade aumentar o repúdio e intensificar  os protestos. A imoralidade adiada tem de ser derrubada.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

1968 é agora... "quem sabe faz a hora...".

Hoje, no Liceu Paraibano, é 27 de Setembro de 1968

Nesta quarta-feira, 27/09, às 19 horas, os autores de “O ANO QUE FICOU – 1968 Memórias Afetivas” estarão no Auditório do Liceu dialogando com a estudantada. O motivo é que as histórias que se contam no livro, tratando da rebelião da juventude contra a ditadura militar em 1968, têm como foco justamente o Liceu Paraibano, cujos estudantes, juntamente com os estudantes do Colégio Estadual do Roger, comandaram, em João Pessoa, o movimento estudantil, com suas grandes passeatas e seus enfrentamentos com as forças da repressão. As grandes assembleias, onde se debatia e se traçava o rumo das lutas, ocorria precisamente no Auditório que será palco dessa, digamos assim, revivescência. Venha você também reviver, lutar.


1968 é agora: “Quem sabe faz a hora...” 

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Memórias de 1968: texto de Clemente Rosas

Retirado da excelente revista eletrônica Será? (revistasera.ne10.uol.com.br), eis aí um esplêndido artigo de Clemente Rosas.

Memórias de 1968
Clemente Rosas

Talvez a proximidade do cinquentenário dos acontecimentos de 1968, “o ano que não terminou”, como o descreveu Zuenir Ventura em seu livro, tenha motivado intelectuais da minha terra a colher depoimentos dos participantes das agitações estudantis na Paraíba, e editar “O Ano que Ficou – 1968 – Memórias Afetivas”, a cujo lançamento compareci.  Convidado pelos organizadores Washington Rocha e Telma Dias Fernandes, participei também de um debate a respeito, ao lado do historiador José Octávio de Arruda Mello e da professora Lourdes Meira.  Minhas observações nessa oportunidade vão aqui rememoradas, com alguns complementos.
Meu tempo de militância estudantil foi bem anterior – anos 1961/62 – em clima de liberdade e prestígio para a UNE, nossa entidade representativa.  Tínhamos fácil acesso ao Presidente da República, os ministros da educação nos convocavam para conversas, políticos nos cortejavam, escritores e artistas como Ferreira Gullar, Oduvaldo Viana Filho, Cacá Diegues, Leon Hirzmann, Arnaldo Jabor, viviam próximos de nós e nos assessoravam. Na crise da renúncia de Jânio Quadros, nossa sede ficou conhecida como “a casa da resistência democrática”.  E já no fim do mandato, de volta à Paraíba, depois de um périplo pelo mundo socialista, em congressos estudantis, cheguei a viver também um curto episódio de engalfinhamento com a polícia e prisão, quando tentamos fazer, “na marra” uma manifestação contra as ameaças americanas de invasão a Cuba.  Mas não tínhamos o poder de mobilização que os estudantes paraibanos, especialmente os secundaristas, demonstraram nos idos de 1968, talvez simplesmente por uma questão de conjuntura política.
Já casado e morando no Recife, tinha notícia dessas manifestações através da participação da minha irmã Yara, dez anos mais jovem, e do primo Eric, estudante de Medicina.  Eram mobilizações quase diárias, frementes de revolta contra o governo militar, sobretudo após a morte do estudante Edson Luís, no Rio.  O Governador do Estado, João Agripino, apesar de merecer a confiança dos militares, tinha espírito independente e preocupações democráticas.  Procurava dialogar, fazia apelos à garotada, pelo rádio, mas a indignação e a revolta da juventude eram fortes demais.  E a polícia entrava em cena.  Nem mesmo o meu amigo Paulo Pontes, homem de teatro, que lá se encontrava produzindo o espetáculo “Paraí-b-a-bá”, no modelo do “Liberdade, Liberdade”, de Flávio Rangel e Millor Fernandes, e tinha prestígio e livre acesso ao Chefe do Executivo, foi feliz na intermediação em favor dos manifestantes. Mas o povo os apoiava, acolhendo em suas casas os fugitivos, na hora da repressão.  Exemplo ilustrativo foi o da Aliança Francesa, que ficava no Parque Solon de Lucena, centro das agitações, quando a “madame” disfarçou jovens refugiadas, fazendo-as parecer pacatas alunas em classe, ante os policiais invasores.
Dos depoimentos constantes do livro, merece destaque o reconhecimento ao advogado Nizi Marinheiro, que, como Paulo Cavalcanti em Pernambuco e alguns outros Brasil afora, prestou-se a defender gratuitamente os jovens rebeldes.  E para quem não o conheceu, faço questão de registrar seu passado heroico.  Ele era sargento do Exército, e instrutor de armamentos.  Um dia, fazendo demonstração com uma granada para uma tropa de recrutas, em campo aberto, viu de repente que o pino da granada havia saltado.  Gritou para que todos se deitassem, ergueu bem alto o braço, e a granada despedaçou-lhe a mão.  Com a reforma, fez-se advogado e, sempre com o respeito dos seus conterrâneos, converteu-se em patrono de causas nobres.
Fiz, no entanto, um reparo à atitude da maioria dos depoentes.  Com a exceção de um deles – Assis Fernandes de Carvalho – não fizeram autocrítica em relação ao quixotismo – sem qualquer tom pejorativo – daqueles que, após caída a noite do AI-5 e do Decreto 477, mergulharam na clandestinidade e na luta armada.  Era evidente para os espíritos mais maduros e vividos ser aquele um descaminho, que acabou ceifando a vida de tantos idealistas.  Pela ausência de “”condições objetivas” (para usar o jargão da época), seria, como foi, um “combate nas trevas”, sem perspectivas nem esperança, apesar do heroísmo dos combatentes.  Cabe aqui a indagação do Presidente Epitácio Pessoa, ao visitar no hospital os sobreviventes do levante do Forte de Copacabana, em 1922, um deles agonizante:
– “Por que tanta bravura, por uma luta inglória?”
As memórias, como já observei em outros escritos, só têm maior valor pela sinceridade, pela isenção, até pela humildade dos seus autores.  Por isso, sugiro uma revisão de conceitos, um “mea culpa” talvez doloroso para os optantes da luta armada, naquele contexto histórico.  O Partido Comunista Brasileiro sempre defendeu a tese de que guerrilhas, rurais ou urbanas, não seriam o caminho para a reconquista do poder, no Brasil.  A linha de ação deveria ser um paciente trabalho de conscientização e mobilização das massas e formação de alianças políticas com todos os opositores do Golpe Militar, inclusive políticos liberais.  Não se tratava, pois, de derrubar a ditadura, mas de derrotá-la, como constava dos seus manifestos clandestinos da época. Escaldados com a aventura de 1935, forjados por anos de cadeia e vida subterrânea, os velhos militantes do PCB eram depreciados pelos “carbonários”, na expressão adotada por Alfredo Sirkis.  E é forçoso admitir hoje que o “Partidão” estava certo. A ditadura militar não foi derrubada: foi derrotada por um conjunto de fatores, envolvendo uma conjuntura internacional desfavorável aos regimes de exceção, um paciente trabalho de “costura” política, uma mobilização de massas sob as bandeiras das eleições diretas e da livre manifestação do pensamento.  Há que se fazer justiça àqueles que, mesmo pacíficos, pagaram alto preço pela resistência aos usurpadores do poder popular, alguns com a própria vida, como Davi Capistrano, Hiram Pereira e Luís Maranhão, mortos sem sepultura.
Por fim, com as lições recentes da História, colhidas com a queda do muro de Berlim, a dissolução da União Soviética, a unificação das duas Alemanhas, a degradação monstruosa da Coreia do Norte, a “esclerose” do regime cubano, cabe aos que preservam o sentimento da fraternidade e o sonho de uma sociedade mais justa, apesar de tudo, refletir sobre as bandeiras que lhes restam.  E a minha proposta é simples: EDUCAÇÃO.  Educação para todos, em iguais condições para os filhos dos burgueses e dos proletários, para as crianças de classe média e as dos novos deserdados das periferias urbanas.  Só se pode perseguir uma sociedade mais igualitária dando as mesmas oportunidades a todos, e não distribuindo esmolas, sem qualquer contrapartida, nem franqueando espaços àqueles que, por motivos alheios à sua vontade, não estão circunstancialmente preparados para ocupá-los.

Domínio estatal dos meios de produção, ditadura (ou, segundo Gramsci, hegemonia) do proletariado, partido único, controle das comunicações a pretexto de oposição à “imprensa burguesa”, nada disso prevalece em um mundo que está a anos-luz daquele observado pelos velhos teóricos do marxismo, há bem mais de um século.  Só o lema da educação universalizada permanece.  É a lição a ser aprendida pelos manifestantes de 1968 e pelos combatentes das trevas, a quem presto minhas reverências.

sábado, 23 de setembro de 2017

1968 revive no Liceu Paraibano

Nesta segunda-feira, 25/09, tem início no Liceu Paraibano a Mostra Cultural 2017, com uma programação intensa que vai até a quarta-feira, 27. Tem Exposições as mais variadas, Música, Teatro, Poesia Encenada, Performances, Oficinas, Vivências...; enfim um evento cultural diverso e fascinante. E, vejam que honra, os autores do livro “O ANO QUE FICOU – 1968 Memórias Afetivas” foram convidados para participar: na noite de encerramento, a partir das 19 horas, no Auditório do Liceu. O motivo é que muitas das histórias que se contam no livro, tratando da rebelião da juventude contra a ditadura militar em 1968, têm como foco justamente o Liceu Paraibano, cujos estudantes, juntamente com os estudantes do Colégio Estadual do Roger, comandaram, em João Pessoa, o movimento estudantil, com suas grandes passeatas e seus enfrentamentos com as forças da repressão. As grandes assembleias estudantis, onde se debatia e se traçava o rumo das lutas, ocorriam precisamente no Auditório que será palco dessa, digamos assim, revivescência. Será na forma de um diálogo dos jovens rebeldes de 1968 com os jovens de hoje. Mas está convidado o público de todas as idades.

Contamos com vocês. 

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A onda conservadora e os imperativos do progresso

Desde que milhões de pessoas ocuparam as ruas em protestos contra o pretensamente progressista governo Dilma/PT, fala-se de uma onda conservadora no Brasil. No momento, com a polêmica "Queermuseu", autoproclamados progressistas afligem-se com o possível recrudescimento dessa onda. Ondas de opinião, pra lá e pra cá, sempre existem. Cabe refletir sobre o tema.

A ideia-força do Iluminismo - corrente de pensamento que, mais que qualquer outra, influenciou a construção da democracia moderna - é o progresso. Reagindo aos excessos da Revolução Francesa, de matriz iluminista, afirmou-se o pensamento conservador, principalmente com o irlandês Edmund Burke. E vejam: se o Iluminismo - com Locke, Monstesquieu, Rousseau, Voltaire, Kant e tantos outros - tem sido excelente escola político-filosófica, o pensamento conservador é também deveras apreciável. Tenham curiosidade e vão ler: além de Burke, dentre outros, Ayan Rand, Raymond Aron, Thomas Sowell, Roger Scruton.

Se as ideias progressistas do Iluminismo impulsionaram as modernas democracias, o conservadorismo também nelas se firmou. Parece paradoxal, mas não é; é complementar. Tão complementar que nas democracias a cena mais comum é a alternância de poder entre partidos de feição progressista e partidos de feição conservadora. Portanto, se há uma onda conservadora no Brasil, não deve ser motivo de aflição. Vejam esse exemplo: a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, consagrada líder da democrática União Europeia, é dirigente da conservadora CDU (União Democrata-Cristã). As eleições na Alemanha estão marcadas para o dia 24 deste corrente mês de setembro. Merkel está em disputa acirrada com Martin Schulz, do progressista SPD (Partido Social-Democrata). No caso de permanência da UCD ou de vitória do SPD, a Alemanha continuará democrática; e, tudo indica, próspera.

O progresso é um imperativo das sociedades. E significa, na linha do pensamento iluminista, uma mudança para melhor. Por outro lado, o pensamento conservador assim se chama porque enfatiza a obviedade de que sempre haverá instituições e valores que se devem conservar. Auguste Comte, pai do Positivismo, expôs isso em uma fórmula singela: "Progredir é conservar melhorando".

Dizer que há uma onda conservadora no Brasil não explica muito. Pode ser uma onda conservadora ruim, mas pode ser uma onda conservadora boa. O progresso é excelente coisa, mas em nome do progresso já se produziu muito atraso. Será excelente que venha sobre o Brasil uma onda progressista, mas no sentido iluminista originário, de uma mudança para melhor. Enfim, em relação a qualquer onda na sociedade, é preciso atentar menos no nome que lhe dão e mais no seu sentido e direção.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Queermuseu e o direito de "Não Queerer"

A polêmica em torno da exposição Queermuseu, patrocinada pelo Banco Santander de Porto Alegre, continua e vai esquentando: de um lado já se falou em "meter bala", de outro já se disse que "tem de fuzilar". Então, vou meter minha colher nesta sopa gorda onde entram arte, política, religião, ódio e paixão.

Desde já, declaro-me democrata e liberal, defensor da tolerância e da liberdade de expressão, entusiasta da diversidade (mais que tudo, a diversidade faz a beleza e a alegria do mundo). Dito isto, considero de total inconveniência uma exposição em local de acesso irrestrito, financiada com dinheiro público (Lei Rouanet), apresentando obras que ultrajam uma religião, imagens erotizadas de crianças e pornografias das mais cabeludas, inclusive o pornô zoófilo.

Certamente, em uma sociedade democrática, dita também, por Henri Bergson e Karl Popper, "sociedade aberta", a mais extravagante pornografia pode ser exibida; porém, caríssimos artistas e curadores, em local adequado, com restrições de acesso e outros cuidados necessários.

Eu muito aprecio, mas pouco entendo da arte pictórica. Todavia, penso que uma imagem que ultraje uma religião (ou uma pessoa, ou qualquer coisa), não deixará de ser ultrajante por ser realizada com talento e requinte técnico. Na dita exposição, como todos já devem ter visto, havia uma coleção de hóstias simuladas, com inscrições de alusão sexual: cu, vulva, língua, etc. Não alcanço a grandeza artística dessa obra, porém, por mais qualidade que possa ter, foi uma provocação intencionalmente ultrajante a uma religião; no caso, o Catolicismo. Os artistas têm direito a estas provocações ultrajantes? Nas sociedades democráticas, como é o caso do Brasil, têm. Em sociedades não democráticas, como é o caso de muitos países do Islã, se a religião for ultrajada, mesmo que na forma da mais bem elaborada arte, o resultado será a execução sumária do artista. Porém, vejam, senhores artistas e curadores, mesmo nas sociedades democráticas, as Constituições regulam a liberdade de expressão, havendo leis restitivas tanto em relação aos conteúdos quanto em relação às condições de exibição.

Pelo que tenho acompanhado da eletrizante polêmica, os defensores da exposição Queermuseu, que querem sua reabertura, denunciam censura. Não entendo que houve censura, penso que tal censura só poderia ser feita por órgão estatal competente. Entendo que os descontentes com a exposição exerceram o direito, digamos assim, de "Não Queerer". Não houve censura, houve pressão, especialmente com o boicote através do cancelamento de contas; e o Santander cedeu à pressão. Nenhuma novidade. Pressão de todo tipo é coisa comum em países democráticos, sendo a pressão através de boicote financeiro muito eficiente.

Os defensores da exposição afirmam, em tom de dura acusação, que a pressão (que eles chamam de censura) partiu de "moralistas", "conservadores", "reacionários", " e "direitistas". Não sei se é assim, não sei se todos que criticaram a exposição têm esse perfil; mas, em se admitindo que seja assim, por que os moralistas, reacionários, conservadores e direitistas não teriam direito de exercer a ação política da pressão e boicote? Por que tal direito teria de ser privilégio exclusivo de imoralistas, progressistas, revolucionários e esquerdistas? Como se sabe, no Brasil e em todo o mundo democrático, grupos com esses perfis usam rotineiramente, e legitimamente, a tática de pressão e boicote para afirmação de suas posições e consecução dos seus objetivos.

Li de uma escritora que vem participando dessa polêmica, que se a religião islâmica ou uma religião de matriz africana fossem as ultrajadas, as pressões viriam de grupos de esquerda. É procedente essa consideração da arguta escritora. Com efeito, para a esquerda radical brasileira, como diz a referida escritora, "contra o Cristianismo, pode tudo; contra todas as demais religiões, não pode nada". Eu acho que nenhuma religião deve ser ultrajada; nem mesmo, vejam só, a religião cristã.

Assustados, ou querendo assustar, os defensores da Queermuseu afirmam, em tom de denúncia, que uma onda conservadora se alastra pelo Brasil. Se for o caso, isso significa que os conservadores estão ganhando a disputa pela opinião. Ora, os conservadores têm tanto direito de se expressar e lutar para "conquistar corações e mentes" quanto o têm os liberais, progressistas, socialistas, anarquistas, marxistas e todos os istas.

Quanto à censura às artes, por ser democrata e liberal, sou contra. E nada tenho contra a arte erótica; pelo contrário, tenho a favor, pois conheço, e são célebres, realizações magníficas sobre o tema. Desde muito antigamente, a arte erótica seduz e encanta. No entanto, será sempre conveniente, até mesmo pela sua força de atração e sugestão, considerar os momentos e e espaços adequados para sua fruição.






segunda-feira, 11 de setembro de 2017

"Um livro de força": artigo de José Octávio sobre "O Ano Que Ficou"

Em Debate no dia 1º de setembro no CEJUS-Centro de Estudos Jurídicos e Sociais José Fernandes de Andrade, em João Pessoa-PB, sobre o livro "O Ano Que Ficou - 1968 Memórias Afetivas", o historiador José Octávio de Arruda Mello iniciou sua brilhante intervenção com a leitura de um sólido texto, cuja primeira metade trata de reconstituir o processo político que desembocou no golpe militar de 1964. Só na segunda metade dessa abordagem histórica, José Octávio foca diretamente o livro referido, e assim o movimento estudantil de 1968. Publicamos aqui esta parte. Na íntegra, o texto deverá ser publicado em revistas especializadas. O excelente artigo é acompanhado de extensa bibliografia que muito o corrobora, mas que aqui também omitimos.


DINÂMICA ESTUDANTIL E ANÁLISE CRÍTICA EM UM LIVRO DE FORÇA

José Octávio de ARRUDA MELLO


1.4. O problema da historiografia estudantil – É aí que nos deparamos com o tema do movimento estudantil presente a esse livro de força que é O Ano Que Ficou – 1968 Memórias Afetivas, organizado por Washington Rocha e Telma Dias Fernandes.
Não é verdade, porém, que, só agora, repito, com a sólida construção de Washington e Telma, a temática estudantil se haja incorporado à historiografia paraibana.
Além de mim, com três ou quatro livros, e Waldir Porfírio, com outros tantos, diversos autores como Cláudio Lopes Rodrigues, Gilbergues Santos Soares, Maria José Teixeira L. Gomes, Rômulo Araújo Lima, Monique Citadino, Gilvan de Brito e Ruy Leitão atentaram para a presença estudantil, antes e depois de 64.
Essa participação foi conceituada pelo cientista político Décio Saez para quem os estudantes agiam como força de substituição, o que ajuda a compreender 1968. Como os partidos políticos estivessem amordaçados, restou à oposição manifestar-se através do segmento estudantil e cultural. Esses, aliás, em sintonia com o vento de maio que, a partir da França, soprava na Europa.
Falei acima que não foram poucos os escritores paraibanos que se debruçaram sobre a mobilização estudantil. Qual, porém, a diferença desses para os dezessete responsáveis por O Ano Que Ficou? Simplesmente a seguinte: enquanto os componentes da nova historiografia consideram o movimento estudantil como parcela de contexto mais amplo, de implicações político-militares, econômico-sociais, religiosas, internacionais, jornalísticas e culturais, os responsáveis por O Ano Que Ficou optaram por outro viés.
Seu enfoque é quase exclusivamente estudantil; o que significa visão, além de corporativa, frutífera e original. Isso porque a perspectiva setorial dos dezessete autores do livro que analiso é tão manifesto que, onde o religioso e o cultural despontam, é como projeção do colegial e universitário. Noutras palavras, o foco é sempre a dinâmica estudantil, em si mesma, impulsionada pelos Liceu e Colégio Estadual do Roger, com apoio dos rapazes e moças da Faculdade de Filosofia da UFPB.
1.5. Uma experiência anarquista? Constante em O Ano Que Ficou é a comparação com com 1968, o Ano que não Terminou (1968), de Zuenir Ventura.
Cabe, porém, uma diferença. Enquanto Zuenir, atento para o caso Márcio Moreira Alves e Guerra do Vietnam que, em 1968, dominaram a mídia, sustenta a tese de que os jovens que se batiam pelas mudanças políticas e econômicas do capitalismo terminaram alcançando modificações de comportamento existencial, O Ano Que Ficou sinaliza noutra direção.
Esta consiste em que o movimento estudantil de 68 abriu caminho para a luta armada. Tal se torna claríssimo no comportamento de Emilson Ribeiro – tendente ao marighelianismo -, José Calistrato, liderando coluna guerrilheira no Ceará, e José Ronald Farias, como partidário da ocupação de prédios públicos em João Pessoa. Bem como Agamenon Travassos Sarinho que descambou para o PCdoB, com agrupamento responsável pela guerrilha do Araguaia.
Em nosso modo de ver, tudo se verificou porque, substancialmente, o movimento estudantil paraibano de 68, embora assim rotulado, não era marxista, e como tal comunista, mas anarquista, o que se constata na filiação ideológica dos autores de O Ano Que Ficou – 1968 Memórias Afetivas. Nenhum deles pertencia ao PCB, o velho ‘pecezão”, que, aliás, desenganado da experiência de 35, desautorizava a solução militarista.
Dentro desse quadro, o movimento estudantil paraibano de 68, mais próximo à Comuna de Paris de de 1871 que ao leninismo bolchevique de 1917, recaiu no proudhonismo, e se não no blanquismo, o que explica a orientação das entidades que o empalmaram – AP, MR-8, PCBR, POLOP, PCdoB, POC e assemelhados, como embrião das que vieram depois – ALN, VPR, VAR-Palmares, PCR, COLINA,MOLIPO e Grupo Primavera. Muitos desses últimos constituindo apenas meros Grupos Táticos Armados.
Eis porque, embora sem aderir à luta armada, da qual somente se aproximou no curioso acampamento da praia da Penha, encurralado pela maré, o movimento estudantil de 68 na Paraíba simbolizou-se no porralouquismo (a expressão é dele mesmo) de Washington Rocha que, sem assistir a uma só aula, estava na melhor tradição ácrata, contra tudo e todos – escola, família, professores, religião, política convencional. Mas sempre revelando energia digna de nota.
1.6. Isolamento e luta armada – Nessa singularidade radicalizante do movimento estudantil de 68, sua força e também sua fraqueza.
Permeados de extremismo que dispensava os potenciais aliados como os que se opunham à Guerra do Vietnam e defendiam o mandato de Márcio Moreira Alves, os colegiais e universitários paraibanos de 1968 – sem embargo de sua audaciosa bravura – isolaram-se, o que explica o rápido refluxo da dinâmica contestatória, a partir de outubro 68.
Destarte, quando, em dezembro, sobreveio o AI/5, o campo estava livre para ele.
Ainda assim, a efervescência estudantil de 68, que O Ano Que Ficou tão bem ressuscita, deve ser credora de nossa admiração. Mesmo os que empunharam armas, ainda que politicamente equivocados, não devem ser execrados. Impõe-se o respeito, aos que procederam por idealismo, sacrificando, não raro, as próprias vidas.
Também não creio que o movimento estudantil deva ser malsinado por se revelar favorável a outra ditadura – a do proletariado, de feição leninista. Entendo que, ao contrário dos ativistas, postados na cúpula, a grande massa revelava-se pelas liberdades individuais, oposta à rigidez da ditadura castrense que vigorava no país.
Em O Ano Que Ficou tal se evidencia nas felizes colocações de Guy Joseph, “contrário a qualquer ditadura, fosse de direita ou de esquerda”, Silvino Espínola, cujo individualismo o levava a discordar das decisões coletivas, e, principalmente, José Ronald Farias. Para este – sigamos suas palavras:
“Poucos tinham certeza de que o caminho certo era o da luta armada. Agrande divisão era entre leninistas, estalinistas e trotskistas, de um lado, e social-democratas, que defendiam um Estado de bem estar social democrático, em lugar da ditadura do proletariado, de outro”.
1.7. Algumas passagens e colocações finais – Fora daí, algumas passagens de O Ano Que Ficou – 1968 Memórias Afetivas, são dignas de registro.
Entre essas, a da escritora Maria José Limeira, arrebatando Washington Rocha das garras da polícia, e a de Everaldo Júnior, desafiando o delegado Emílio Romano, a quem identificara como homem de confiança de Felinto Muller em 1937.
Já no plano metodológico, chamaram-me atenção os depoimentos de José Nilton e Eldson Ferreira
Nilton que, como folclorista, sentiu na pele a intolerância da direção da Faculdade de Filosofia, oferece a suas palavras a feição do cotidiano da nova História para situar o movimento estudantil “em clima de festa”.
Por seu turno, Eldson, seguindo os passos do sociólogo francês Jean Blondel, recusa-se a dar nome aos personagens de que se ocupa. Em relação a seu dramático depoimento há apenas uma observação a fazer.
Em programa de emissora local, por sinal fechada pouco depois, o “radialista famoso” a que se refere, não o tachou de comunista, mesmo porque o aludido programa, simpatizante do movimento estudantil, não recorria a essa linguagem. O que se publicou foi a vinculação d Eldson à AP (Ação Popular), o que não o desmerecia e, passados tantos anos, ainda pode ser contestado.