Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

sábado, 17 de janeiro de 2015

A guerra da civilização contra o terrorismo e a guerra contra a justificação do terrorismo - os melhores textos, começando por "A justificação do injustificável", de Catarina Rochamonte

Depois do ataque ao "Charlie Hebdo" a discussão sobre o terrorismo islâmico "explodiu" na mídia ocidental, nos países democráticos. Alguns intelectuais ocidentais, beneficiários da liberdade da democracia, tomaram partido contra a Civilização Ocidental, justificando o terrorismo. Outros, porém, tomaram o partido da civilização, condenando o terrorismo e "detonando" os intelectuais ocidentais traíras. Pode-se se dizer que estão em guerra. A boa guerra das letras. Se o terrorismo - com a ajuda dos intelectuais traíras que no Ocidente o justificam - vencer a civilização, a guerra das letras acaba; só restará a submissão. Então, eu estou ao lado dos que condenam o terrorismo e publicarei aqui alguns dos melhores textos desses combatentes da liberdade; textos que tenho pescado com a rede da internet (uma interessante invenção da Civilização Ocidental). O primeiro é este primoroso "A justificação do injustificável", de Catarina Rochamonte.




A justificação do injustificável

Catarina Rochamonte

Dois posicionamentos políticos, e por que não dizer morais, tomaram conta da imprensa e das redes sociais. Um que justifica o terrorismo (embora sempre comece retórica e demagogicamente dizendo que discorda de tais atos para depois dar continuidade ao texto com uma conjunção adversativa que dá início à culpabilização das vítimas, do capitalismo, do imperialismo, etc.) e outro que não o justifica. De minha parte, apenas reedito aqui um texto antigo que já havia postado desde as primeiras degolas promovidas pelo Estado Islâmico. Desde os tempos de estudante me inquietava um pouco o relativismo exagerado de alguns antropólogos e professores “descolados” para os quais não haveria valores absolutos e, logo, não teríamos legitimidade para julgar ou condenar uma cultura diferente da nossa. De fato não temos, desde que essa cultura não degole, fuzile, estupre, torture pessoas, crucifique-as vivas e matem pessoas inocentes em ataques absurdos, incentivando inclusive as suas crianças a fazê-lo. Não estou condenando toda a cultura islâmica, não sou especialista no Islã. Se o Islã não prega a violência, as suas autoridades religiosas devem se esforçar para prová-lo. O que me salta aos olhos é a intolerância. Se eu estou errada quanto à totalidade dessa religião, não o estou em relação aos fanáticos terroristas.
Não quero me alongar no debate. Meu propósito é apenas fazer uma pequena introdução para o texto anteriormente escrito e que reproduzo. É uma guerra ideológica entre nós, escritores, jornalistas e professores que apenas digladiam com o teclado e as cordas vocais, mas é, sem dúvida, uma guerra entre as nações civilizadas e a barbárie. Alguns acharão esse discurso etnocêntrico. E é mesmo. Há momentos em que é preciso falar sem firulas. Há muito tempo albergamos dentro dos nossos quadros (e albergaremos sempre porque é isso que nos caracteriza, a tolerância com a diferença) intelectuais que põem sistematicamente “em xeque” os valores ocidentais. A autocrítica pode ser saudável, mas há que se notar que a maioria desses críticos não aquilata o significado no nosso percurso histórico, não se dá conta do significado da nossa herança greco-romana e judaico-cristã. Certo professor escreveu em sua página do facebook que os atentados na França não o comoveram e falou sobre os valores vazios e abstratos do Ocidente...pois sim...Tenho uma grande admiração pela filosofia budista, pela filosofia hindu e tento, na medida do possível, compreendê-las. Foram os intolerantes islâmicos que explodiram as belíssimas estátuas de Buda, não fomos nós.
O que faço aqui é apenas afirmar os meu valores, que são os valores do cristianismo. Confirmo-os e não os nego diante do frenesi de parecer questionador e rebelde ou disfarçar o gosto pelo fundamentalismo sobre o manto da tolerância com a intolerância. Sei que em nome da crença que professo já se queimaram pessoas e que a Igreja tem uma história absurda de intolerância. Mas não é em nome da instituição que eu falo e não é diante dela que me curvo (embora convenha notar que hoje a Igreja não queima nem degola)
Quando mais jovem, houve um passo reflexivo que me conduzira ao ateísmo: o sofrimento das crianças. O sofrimento delas era injustificado e, se houvesse justificação, eu não a aceitaria. Não sei como me fazer entender em coisa tão sutil mas hoje creio que essa rebeldia da alma que se indigna diante da injustiça tangencia algo de absoluto. Há vários graus e tipos de injustiça sim. Pode-se dizer que há oprimidos, que há explorados, que há nações hipócritas e tudo o mais. O mundo é injusto sim, mas não é com uma injustiça maior que o mundo haverá de se consertar. Continuemos indignados com tudo o que não está bom no mundo, mas não utilizemos isso como pretexto para justificar o terrorismo. Não espero dizer quase nada além do muito que já foi dito, apenas gostaria de me posicionar sobre o recente atentado na França sem a conjunção adversativa presente em muitas análise. O atentado é condenável, sem “mas”, com ponto final. A seguir, o texto reeditado.

Temos o dever moral de combater o terrorismo

É inegável que hoje temos uma situação diametralmente oposta às antigas e tradicionais guerras. Não há como proceder em tal situação com a covardia ou com a insipiência. Todas as bandeiras, todos os cultos, todas as nações e todas as ideias revolucionárias se comungam em um só ardor pela justiça e pela preservação das conquistas morais e civilizatórias de séculos e mais séculos da nossa História. Sem questionar o belicismo das potências que lutam contra o terrorismo, convém notar que não se trata por ora de uma simples questão de poderio econômico, mas de constituição de uma aliança sólida entre todas as nações que se veem ameaçadas pela perversidade insólita de um grupo desterritorializado e que, por esse motivo, se confabula diante de nós.
Nada do que somos, nada do que estatuimos, nada do que amamos e nada daquilo em que acreditamos sensibiliza essas criaturas desprovidas de senso de justiça e de elo comum. Pede-se paz, permaneçamos em paz. Pede-se a guerra, não temamos, pois o quesito da justa medida haverá de operar também nesse caso. A justa medida é a necessária retaliação ao que se configura como a maior catástrofe desse século, o terrorismo, a bestialização, o suplício de gente de fé em nome de absurdos dogmáticos.
Temos, pois, o dever moral de combater o terrorismo. Temos o dever de resplandecer perante esses cruéis sanguinários como portadores de uma norma de conduta superior, como uma terra de gente sã, de gente livre e plena de coração. Temos como questão ainda mais urgente o despertar íntimo de cada criatura para a constatação em si mesma dessas verdades que nos conduzem ao levante atual contra todo ódio e toda ira que se autoproclama como religião.
Religar, unir, desfazer cortes substanciais de cultura, coligar, amainar, curvar-se ante a poderosa lei universal do amor. Isso é religião. Isso é luta digna de ser travada.
Constatamos hoje o momento mais traumático da nossa indecisa História que, entre conquistas e desvarios se faz contundente, forte e lúcida para o maior bem comum e para a maior harmonia universal. Quem estiver disposto à selvageria, curve-se à covardia diante do inominável terror. Quem estiver disposto a zelar pelos nossos anseios de paz, tenha em mãos a arma do combate digno: o coração reto e a presença indiscutível do sentimento de justiça.
Pela primeira vez, estabelece-se uma contenda unilateral, pois apenas um lado reluz, enquanto o outro é treva insana. Quem quiser persuadir-se a si mesmo, consulte a própria consciência. Uma pequena vertigem fará ver que o edifício moral que nos sustém é o âmago profundo de todos nós.
O encontro total entre as civilizações só será possível por meio da convivência harmônica entre as diferentes culturas, mas isso não quer dizer que um ultimato ao mundo como aquele proclamado pelo Estado Islâmico possa ser administrado dentro da nossa cultura. Contingências culturais, ou seja, limitações e expansões do nosso projeto civilizatório são possíveis e necessárias. O que não é possível ou necessário é a postulação de um estado de demência estrutural dentro de um quadro que evolui. Concordamos que a estrutura da sociedade pede a heterogeneidade, mas rejeitamos que essa heterogeneidade se configure primariamente pela sua condição desarmônica ou pela sua degeneração. Coordenar o seu estágio mais elevado com alteridades sempre favorecerá uma visão ampliada do próprio social, enquanto coordenar desvios dentro de uma estratégia linear poderá implodir a própria sustentação social requerida. Por certo optaremos pela paz sempre que isso for possível, mormente lutaremos até o fim para salvaguardá-la. Mas, uma vez que a presunção dominante de um grupo terrorista ameace a liberdade daqueles que estão em paz, cabe à população e ao estadista em voga responder à altura contra a tentativa de dominação executada.
Nosso posicionamento é o da Democracia universal e não o da guerra. Porém, não adianta consorciar com quem não pensa e não há como negociar com quem não vê. Quem se compraz em mistificar a si mesmo e em fazer-se porta-voz da divindade através de terrores absurdos não haverá de compreender ou respeitar um acordo de paz. Lutemos sim pela paz, mas não nos deixemos cativar por posições em si mesmas desprovidas de fundamento por abrigar uma deficiência de conhecimento do percurso histórico percorrido pela nossa civilização. O Oriente haverá de encontrar a paz quando seus habitantes encontrarem o amor. Nada do que se dá entre os homens pode fomentar a paz sem que a própria espiritualidade desperte.
Por espiritualidade entendemos a comum anuência a uma porção nobre dentre os valores cristãos e a uma pequena parcela de resposta às indagações contundentes que nos afligem o coração. Espiritualidade é sentimento, é sabedoria, é amor. O maior desafio da História atual é conduzir os povos a uma melhoria dessas condições; é albergar um novo começo em novos corações, desafiando assim aqueles cuja intolerância conduziu ao fracasso todas as tentativas de solução dos conflitos que se configuram hoje como uma real ameaça aos sonhos de paz.[...]
Que lutem todos aqueles a quem o ardor da luta convocar, mas lutem pela consciência adquirida na batalha interna do autodomínio; lutem pela possibilidade de aumentar o ciclo virtuoso daqueles que lograram êxito em se emancipar e lutem sempre pela libertação secular das mentes tendentes ao marasmo e à letargia. Não podemos aumentar nossa potência a não ser pela permanente conquista da nossa própria fé. Que essa fé seja o móbil de uma luta digna e que esse motor seja a toada das futuras gerações. Liberdade, Igualdade, Fraternidade: não há nada maior, no campo político, pelo quê se lutar.

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