A revista, editada pela Sal da Terra, com tiragem de 5 mil exemplares, está também disponível eletronicamente em www.portal100fronteiras.com.br
Esta 5ª edição traz um reportagem muito importante sobre a atuação da Comissão da Verdade da Paraíba, enviada pelo diligente advogado e historiador Waldir Porfírio. E dá continuidade à polêmica da revisão ou não da Lei da Anistia. Martinho Campos e José Calistrato tomam posição pela revisão da Lei, eu tomo posição contra a revisão da Lei. Na verdade, apenas reproduzi, com alguns acréscimos, um post que já havia publicado aqui, o qual, por sua vez, reproduz trechos do meu livro "A Comissão e a Verdade - Sobre Anos de chumbo e Anistia". Segue o post reformulado, ou seja, o artigo, tal e qual publicado na ROCHA 100 - Revista 100 Fronteiras.
Anistia Ampla, Geral e Irrestrita foi conquista do povo brasileiro:
revisar a Lei da Anistia é veneno contra a democracia
Martinho Campos e eu fomos convidados pela Comissão da Verdade da Paraíba para prestar depoimento sobre as perseguições sofridas durante a ditadura militar, nos “anos de chumbo”. Prestamos tal depoimento no dia 19 de setembro, pela manhã, na Associação Paraibana de Imprensa, a velha API de tantos debates e embates, de tantos eventos históricos, que tanto tem servido à Democracia e à Liberdade. Martinho foi um destacado dirigente do PORT (Partido Operário Revolucionário Trotskista), tendo participado das lutas camponesas na Paraíba e outros estados do Nordeste ainda antes de 64. Foi preso em 1963, e várias outras vezes depois do golpe militar. Foi seguidamente torturado. Aos 71 anos, no que pese os cabelos brancos, Martinho demonstra vigor e ânimo juvenis. Seu depoimento, circunstanciado e minucioso, foi pungente. Na ocasião, aliás, recebi de Arthur Cantalice uma sugestão que repasso à Comissão da Verdade: depoimentos como esses deviam ser feitos, também, perante plateias maiores, em colégios e universidades, por exemplo.
Não irei refazer aqui o depoimento que fiz lá, vou apenas dar prosseguimento a uma polêmica antiga reaberta pelo meu depoimento: a revisão da Lei da Anistia. Eu sou contra e já escrevi um livro sobre o tema, que agora retomo. Do meu depoimento, farei apenas um pequeno registro, como forma de agradecimento.
Declarei minha posição contra a revisão da Lei da Anistia sabendo que, naquele ambiente, estaria amplamente minoritário. Com efeito, o sentimento pela revisão da Lei da Anistia é amplamente majoritário no âmbito das Comissões da Verdade, das inúmeras Comissões da Verdade criadas na esteira da Comissão Nacional da Verdade. É tão majoritário nesse âmbito quanto minoritário é no conjunto da sociedade. O povo brasileiro, que no distante ano de 1979 ocupou as ruas do Brasil clamando por Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, ficou bem feliz e comemorou a vitória quando da edição da bendita Lei. Comemoração que se estendeu por meses a fio, que se renovava a cada momento em que era libertado um prisioneiro político, a cada momento em que voltava um exilado. Enfim, todos os prisioneiros políticos foram libertados, todos os exilados voltaram. Essa Lei de Anistia abriu para nós o caminho da redemocratização. Essa Lei de Anistia foi das mais benéficas da história do Brasil e da história da democracia no mundo. Pretender sua revisão depois de mais de três décadas é um despropósito. Eu escrevi um livro sobre esse despropósito, portanto, limito-me agora a indicar o livro aos interessados. O título é"A Comissão e a Verdade - sobre 'anos de chumbo' e Anistia"; e está disponível em www.portal100fronteiras.com.br. Entendo que a revisão da Lei da Anistia possa se justificar à luz dos interesses do marxismo-revolucionário, que protagonizou a luta armada contra a ditadura militar. Todavia, à luz dos interesses da democracia, não se justifica; e no meu livro explico porque. Acho mesmo que a revisão da Lei da Anistia é veneno para a democracia, e espero que meu livro seja uma espécie de contraveneno. Para atiçar a curiosidade dos leitores, cito alguns trechos:
"No Brasil, em 1979, a exigência de punição dos agentes da ditadura colocaria em risco a transição pacífica e negociada. A prudência - que em grego se diz 'phrónesis', e foi elevada por Aristóteles à condição de máxima virtude política - prevaleceu; e o povo, ainda mais que os seus líderes, optou pela transição pacífica e negociada. Querer, mais de trinta anos depois, invalidar retroativamente uma negociação concluída e frutificada, é um despropósito".
"A campanha pela revisão da Lei de Anistia tem dupla matriz: a) um sentimento de justiça; b) um oportunista projeto político-ideológico de retomar o confronto; ou seja, revanche: estando agora a esquerda em condições de vantagem".
"A esquerda revanchista, defensora da revisão da Anistia, não quer resgatar a verdade, quer recuperar os tempos e a guerra. Se conseguir, pode vencer a guerra, e implantará uma ditadura revolucionária. Mas pode também perder a guerra, com a possível sobrevinda de uma ditadura contrarrevolucionária. De uma ou de outra forma, a democracia perderá".
"As organizações marxistas revolucionárias (bolcheviques) que fizeram o enfrentamento armado com a ditadura militar não lutavam por democracia, mas pela implantação de uma ditadura revolucionária, dita "ditadura do proletariado".
"'XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu': Deverá o furor da justiça retroativa sobrepor-se à letra da Constituição Soberana? Deverá a Lei da Anistia ser revisada para punir exemplarmente agentes do Estado ditatorial que torturaram e assassinaram? Ou para punir exemplarmente militantes revolucionários cujo acendrado idealismo os levou a cometer crimes de terrorismo naqueles longínquos 'anos de chumbo'? Não será possível abominar a tortura e o terrorismo sem essas tardias punições exemplares? Não terá o amor à democracia nos ensinado a abominar todas as ditaduras - de direita e de esquerda -, e não apenas determinadas ditaduras?"
"Todavia, pensar que, uma vez revisada a Lei de Anistia, seja possível punir outros crimes mas não esses; tal pensamento seria um aviltamento dos juízos e uma afronta à memória dessas vítimas. Nem por serem poucas serão indignas. Que se chorem as vítimas da ditadura, que se as lembrem, que se as honrem, que em nome delas se peça reparações. Porém: Márcio, Carlos Alberto, Francisco Jacques, Salatiel; e ainda outras vítimas inocentes da esquerda revolucionária? Não se deverá chorar por elas? Não merecem ser lembradas? Não merecem honra? Não haverá quem, em nome delas, peça reparações?".
No meu livro, cito, dentre outras, esta lição de Norberto Bobbio: "Agora que a esquerda revolucionária reconheceu os direitos da liberdade, quer todos os direitos, e imediatamente. Inclusive o direito de impunidade que foi sempre a prerrogativa dos soberanos e dos déspotas"
Não é digno, não é decente o clamor por justiça seletiva. Se querem a verdade, as Comissões da Verdade não podem investigar os crimes da ditadura com uma mão e esconder os crimes da esquerda revolucionária com a outra. Da parte da democracia, interessa que o relatório da Comissão Nacional da Verdade seja inteiramente verdadeiro. Assim sendo, servirá para afastar do horizonte da Pátria a sombra das práticas de crimes de terrorismo de Estado e a sombra das práticas de crimes de terrorismo revolucionário. E afastar a sombra de todas as ditaduras: de direita ou de esquerda, nazi-fascista ou bolchevista, dos militares ou do proletariado.
É isso aí, Rocha 100! Vamos tocar a bola da democracia pra frente. Essa guerra dos anos de chumbo já ficou para trás e deve continuar ficando. Vamos construir o futuro. Cid Adão.
ResponderExcluirDe jeito nenhum. Esse Rocha 100 não está com nada. Tem de revisar a lei e punir os torturadores e assassinos. Red Vermelho, mais radical do que Antônio Radical.
ResponderExcluirconsidero pertinente a posição de Rocha100. Não a revisão da anistia. Tenho parentes vítimas das torturas doa anos de chumbo, mas nem por isto desejo retomar para mudar a lei já aprovada. Os torturadores pagam com o remorso diário e com as penas do inferno; alguns já morreram...A democracia deve continuar e não permitir mais o horror das ditaduras
ResponderExcluirO PT de antigamente morreu. Só o PT mensaleiro sobreviveu.
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