A ideia de que as armas de brinquedo são culpadas pela violência não é séria. Tamanha tolice só encontra eco porque a praga do "politicamente correto" vem corroendo o cérebro "dos brasileiros e das brasileiras". Se há algo que a psicanálise evidenciou é que os impulsos de violência, inerentes a todos os seres humanos, têm de encontrar, nas sociedades civilizadas, espaços de escoamento não deletérios, sob pena de acumulação insuportável, que, inevitavelmente, causará doenças psico-somáticas ou se exteriorizará em rompantes de violência os mais ferozes e deletérios. Que meninos brinquem com armas de brinquedo é tão natural quanto meninas brincarem de boneca; e tão natural quanto crianças de ambos os sexos chuparem o dedo. É natural, bom e necessário. Vejam que se os pais não tiverem dinheiro para comprar brinquedo de loja para o menino, ele fará de um pedaço de pau uma espada; de um galho apropriado fará um revólver e brincará dizendo BANG BANG. Certamente, a patrulha "politicamente correta", além de erradicar os brinquedos das lojas, haverá de 'vigiar e punir' os meninos malvados que insistirem nesses folguedos temerários.
Tirar arma de brinquedo das mãos de crianças é como tirar o futebol dos pés dos adultos: ou tirar o boxe, o judô, a capoeira, a esgrima e todos os esportes de competição; inclusive o aparentemente pacífico xadrez (o xadrez, vejam só, é um esporte violento). Esportes são substitutivos civilizados da guerra. Tirar esses esportes de quem pratica e, consequentemente, de quem aprecia, seria uma violência que, mais cedo ou mais tarde, seria vingada. Se arrancarem as armas de brinquedo das mãos das crianças, mais cedo ou mais tarde elas se vingarão.
Tirar arma de brinquedo das mão de crianças não leva criança nenhuma a abominar a violência, pelo contrário: é uma violência capaz de acumular na criança uma frustração/tensão que a levará a usar de violência quando tiver oportunidade.
O pior é que essa cretinice que foi aprovada pelos deputados de Brasília tem muita chance de ser aprovada também pelos deputados paraibanos, isso devido ao generalizado temor ao patrulhamento dos "politicamente corretos".
Mas qual o propósito do BANG BANG do título? Trata-se da célebre e belíssima canção da dupla/casal Sonny Bono & Cher. A canção fala de um amor que começou quando uma garota de 5 anos e um garoto de 6 brincavam com revólveres de brinquedo ("I was five and he was six"). Ele atira de brincadeira, ela cai de brincadeira... e se apaixonam de verdade. Depois, com o tempo, que é cruel, e não as armas de brinquedo, por motivos que não se sabe, ele a deixa. E ela lamenta a perda daquele tempo de alegre fantasia, brincando com armas de brinquedo: a feliz lembrança de outrora, o tiro e a queda de brincadeira, transforma-se em sentimento de desilusão: "My Baby Shot Me Down".
São muitas as versões, a de Cher é sensualíssima e eletrizante. Tem versão de Nancy Sinatra, de Petula Clark, de Raquel Welch. A canção correu o mundo. O vídeo com a linda versão italiana de Dalida tem imagens comovedoras de duas crianças brincando com seus revólveres de brinquedo, em momento de plena felicidade. No Brasil, BANG BANG fez sucesso na versão de Maritza Fabiani, muito bela, inclusive a letra, cujos dois primeiros versos também usei no título desse triste post. Triste porque vejo que o "politicamente correto" vai avançando, derretendo o juízo das pessoas e transformando o mundo em uma merda. Aliás, no Portal 100 Fronteiras está publicado um excelente artigo de Gelza Rocha onde ela se revolta com a cretinice "politicamente correta" que é o expurgo do universo infantil da cantiga de roda "Atirei o pau no gato".
Então, como diz Maritza Fabiani, "foi há tanto tempo atrás, tempo que não volta mais", o tempo em que as crianças podiam cantar (e os adultos também, de vez em quando, gostavam de acompanhar), livres e alegremente, "atirei o pau no gato, tô / mas o gato, tô / não morreu, reu, reu". E podiam brincar com armas de brinquedo.
Todavia, resisto. Meu neto, de 8 anos, tem algumas armas de brinquedo: espadas de plástico (embora prefiramos lutar com cabos de vassoura) pistola de água, revólver que dispara bolinhas, metralhadora rá-tá-tá-tá, arco e flecha com ponta que prega em superfícies lisas (talvez em alguma testa). Ele adora esses brinquedos. Se vierem tomar essas armas de fantasia das suas mãos e das suas fantasias, reagirei como Nhô Augusto reagiu ao chefe-jagunço seu Joãozinho Bem-Bem, que queria que Augusto Matraga lhe entregasse para ser morto um inocente: "...é fácil... Mas tem de passar primeiro por riba de eu defunto" (vejam em "Sagarana", de Guimarães Rosa).
Enfim deixo para vocês BANG BANG: a versão de Maritza Fabiani e a letra original com tradução. Todas as versões referidas estão disponíveis no You Tube. Peço e imploro que vejam, que escutem e que relembrem um mundo que se vai perdendo, um mundo em que valeu a pena viver.
Bang Bang
Maritza Fabiani
Tempo que não volta mais
Um garoto atirava
De mocinho ele brincava (Bang Bang)
E eu caí (Bang Bang)
Me acertou (Bang Bang)
E me matou (Bang Bang)
Assim o conheci
Começamos a amar
Ele sempre se lembrava
E brincando então falava (Bang Bang)
Você caiu (Bang Bang)
Eu acertei (Bang Bang)
E a matei (Bang Bang)
Assim a conheci
E nem gosto de lembrar
Todo o tempo com que foi
Tão feliz para nós dois
De verdade ele acertou
E o meu amor matou
Sem aviso ele partiu
Todo o tempo me mentiu (Bang Bang)
E eu caí (Bang Bang)
Me acertou (Bang Bang)
E me deixou (Bang Bang)
Assim eu o perdi
E o meu amor matou
Sem aviso ele partiu
Todo o tempo me mentiu (Bang Bang)
E eu caí (Bang Bang)
Me acertou (Bang Bang)
E me deixou (Bang Bang)
Assim eu o perdi
Eu fui ver a música. É linda. Aí, chorei. Outra coisa: meus filhos, de 6 e 9 anos, tem armas de brinquedo, brincam e não fazem mal a ninguém. Daniella nem venha buscar que eu não entrego.
ResponderExcluirEssa música Bang Bang esta em Kill Bill, o filme de Tarantino. Não sei quem canta, mas é uma versão belíssima. Algum cinéfilo pode me dizer o nome da cantora?
ResponderExcluirE para não passar em branco: politicamente correto é mesmo uma grande merda.
A bela Daniella shot me down! anônimo apaixonado.
ResponderExcluirDe fato este tal de "politicamento correto", que de correto não tem nada, é uma chatice que vem tomando conta de pessoas inteligentes, porém medrosas... Eu não só brinquei de atirar o pau no gato, como também, graças a Deus, acompanhei dois dos meus irmãos mais velhos que eu, na brincadeira de bang,bang que era conhecida por uma frase inesquecível:camone bolichó(!),talvez a tradução infantil da época para come on boy,etc... As armas de brinquedo nem eram industrializadas, mas fabricadas pelos meninos com pedaços de pau. Eu não era muito aceita na brincadeira de "homens", porém entrava, de gaiata, apontando o dedo para render o bandido. Amava brincar desse bang bang. Ninguém pode ser mais pacífica, ser mais contra a violência do que eu... E,graças a Deus, rendi muito "bandido" e "mocinho" e fui rendida sob a mira de um revolver de madeira... Ah, quanta saudade desta infância, quando o "politicamente correto" era poder brincar sob a vigilância de pais responsáveis, estudar em Escola Pública de excelente qualidade e passar, por competência, no Exame de Admissão, respeitar os professores como segundos pais, tomar remédio para verme todo ano, rezar antes de dormir e ao acordar, tomar a benção aos pais e padrinhos, respeitar os mais velhos, ajudar os necessitados... Com tanta coisa correta, de verdade, usar arma de brinquedo era somente mais uma brincadeira mesmo! Tanta coisa importante e indispensável para ocupar o tempo de deputados, em favor da sociedade, e, por medo de patrulhamento, ficam jogando pra platéia... E, onde está o Legislativo em se tratando de armas de verdade que entram todo dia pelas fronteiras do pais? E as armas nas mãos dos bandidos? E melhores condições para as famílias carentes... Desculpem pelo enorme comentário. Gelza R.Carvalho
ResponderExcluirEu sou do RN, legítimo papa-jerimum, com muito orgulho. Mas não é que tem uns bestas politicamente corretos querido proibir chamar papa-jerimum de papa-jerimum!?
ResponderExcluirProibir brinquedo de loja até que será bom para economizar dinheiro dos pais, porque revólver e metralhadora estão pelos olhos da cara. Não tem nada, a meninada brinca como antigamente, com pedaço de pau. E tome bang bang, e tome ratátátá.
ResponderExcluirE os meninos vão também ser obrigados a brincar de boneca?
ResponderExcluirEssa deputada não tem mais o que fazer?
ResponderExcluirEm seu irônico “Manual EPC (Embusteration Picaretation Corporation) para Especialistas em Segurança”, Décio Leão mostra os “fundamentos necessários para a atuação desses consultores de ocasião”.
ResponderExcluirO pseudo-especialista em segurança pública é um profissional que goza de grande respeito, aparece na mídia, faz assessoria dos nossos governantes e até interfere no trabalho da polícia. Algumas vezes eles conseguem até elevados cargos públicos. Segundo Décio, os pseudo-especialistas em segurança pública trazem consigo algumas caraterísticas em comum:
· Nunca foi policial, não tem nenhum vínculo com a Instituição ou não mesmo a conhece. Isso não impede que ele fale dela com propriedade, dizendo como ela deveria fazer seu trabalho.
· Possui formação genérica. Seja engenheiro, administrador, economista, sociólogo, psicólogo ou bacharel em direito, o pseudo-especialista em segurança pública já estudou “profundamente” o assunto e participou de alguns seminários.
· Aparece bastante na mídia. O pseudo-especialista em segurança pública não pode deixar de aparecer na mídia, quer seja imprensa escrita, falada, televisionada ou internetada. Não se mede a qualidade deste profissional pela sua experiência profissional ou sua formação específica. É a quantidade de vezes que ele aparecer na imprensa que irá dar a sua qualificação de suposto conhecimento e experiência.
· Fala o óbvio. O especialista em segurança costuma ter soluções mágicas para solucionar o problema da segurança pública (bem semelhantes aos discursos eleitoreiros para o assunto). Por exemplo, o especialista em segurança deve afirmar que as autoridades policiais precisam “intensificar o policiamento preventivo” ou “investir em inteligência policial”. Quanto mais óbvia for a solução mágica, melhor será o efeito “como-ninguém-pensou-nisso-antes”. E obviamente, o especialista não precisa dar detalhes sobre como serão conseguidos os recursos humanos, materiais e financeiros, qual o impacto sobre o orçamento e outros problemas que “são meros detalhes técnicos”.
· Faz a polícia parecer incompetente. Ao comentar os problemas de segurança, as crises e os problemas em ocorrências policiais, o pseudo-especialista em segurança pública mostra como a polícia errou, o que ela deixou de fazer e o que ela poderia ter feito. Sutilmente, dá indicações de a polícia não sabe fazer bem o seu serviço.
· Não tem responsabilidades. O pseudo-especialista em segurança pública não precisa se preocupar com o que fala, pois não tem que tomar decisões, não tem responsabilidades, não é cobrado pelos seus resultados. Se seu projeto der certo estará comprovada sua genialidade, se der errado sempre há alguém para culpar, principalmente a Polícia Militar e a Polícia Civil, que não se empenharam corretamente em suas obrigações para fazer dar certo o magnânimo projeto do especialista. Essa é uma das maiores vantagens de ser um especialista em segurança pública. Por mais absurda que seja a ideia, ele não é responsável pelo “como” ou “quão custoso” será sua aplicação, muito menos as conseqüências do fracasso.
Eis algumas frases que podem ser usadas pelos pseudo-especialistas em segurança pública iniciantes. Mesmo já tendo sido usadas anteriormente, essas frases-padrão representam o discurso que se espera de um bom especialista:
“A conjuntura macroeconômica da globalização desenfreada tem impactado sobre a sociedade marginalizada, forçando uma busca por recursos alternativos nem sempre éticos com a legalidade”.
“A polícia precisa urgentemente investir em policiamento preventivo e em inteligência policial”.
“Os capitães comandantes de companhia e os delegados titulares de distritos policiais devem se reunir periodicamente e detectar onde e quando estão ocorrendo os delitos. Com essa informação, o policiamento deve ser direcionado para os locais de maior incidência criminal”.
“A crise de segurança ocorre porque a polícia não está fazendo o seu papel. Os policiais militares não fazem o preventivo e os policiais civis não investigam.”
Tá vendo Tio Uósto como é fácil ser "especialista" em Segurança Pública"
Não vejo necessidade de criar nenhum texto para contestar essa "preciosidade" de propositura legislativa, poderia fazê-lo, mas a roda já foi inventada. Sendo assim, apresento um texto de um amigo, Oficial da PM de SP, que foi meu instrutor de "Perícia de Artefatos Explosivos"
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