Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

A grandeza de Jacob Gorender: as exigências da Verdade

Jacob Gorender, filho de judeus russos, intelectual autodidata de vasta cultura, tradutor, escritor, historiador, marxista e comunista militante, morto em 11/06/2013, aos 90 anos, escreveu o mais importante livro sobre os "anos de chumbo", o terrível período do confronto entre a esquerda armada e a ditadura militar. Já o título do livro impressiona: "Combate nas Trevas". Trevas estas clareadas pela inteligência, pela coragem e pela honestidade intelectual de Gorender. Ele se apega à Verdade para narrar as atrocidades dos agentes da ditadura: as torturas, sevícias, assassinatos e todos os mais repugnantes crimes perpetrados sob o manto do poder estatal ditatorial; poder que ele, Gorender, combatia. Mas vejam, Gorender também se apega à Verdade para contar os crimes praticados pela esquerda revolucionária, da qual ele fazia parte, numa luta que sempre foi sua razão de viver: crimes de terror, inclusive os infame crimes de "justiçamento", quando os revolucionários assassinaram companheiros de luta.

Por inteiro, o título do referido livro é "Combate nas Trevas: a esquerda brasileira - das ilusões perdidas à luta armada" (São Paulo: Editora Ática, 1987). É um livro denso e forte, que narra de forma dolorosa acontecimentos dolorosos, inclusive o episódio das torturas sofridas pelo próprio autor. Inclusive este breve e dilacerante relato do martírio de Aurora Maria Nascimento Furtado:

"Em sua graciosa juventude de mulher, Aurora Furtado foi a destemida guerrilheira da linha de frente da ALN. Abordada por uma patrulha no subúrbio carioca de Parada de Lucas, na manhã de 19 de novembro de 1972, matou um policial, tentou fugir e acabou aprisionada. Na Invernada da Olaria, após passar pelas atrocidades já rotineiras, circundaram sua cabeça com a 'Coroa de Cristo' - um torniquete que aumenta a pressão do crânio até afundá-lo". 

Ou este apavorante relato da tortura e assassinato do ex-sargento João Lucas Alves, militante da organização revolucionária Colina:

"Sua altivez e bravura acirraram o ódio dos carrascos, que lhe quebraram os braços, vazaram os olhos, arrancaram as unhas e o esfolaram a fogo".

Estes e vários outros relatos das atrocidades dos agentes da ditadura: crimes que estarrecem, repugnam e provocam a mais viva indignação.

Porém, Gorender não se permitiu deixar nas trevas os crimes perpetrados pela esquerda revolucionária, como o "justiçamento" de Márcio Leite de Toledo, jovem dirigente da ALN, a mais intrépida organização revolucionária daquelas trevosas lutas:

"Márcio não havia cometido nenhum ato concreto de traição. Atribuíram-lhe a culpa de intenção e o fuzilaram pelo crime de intenção. Já à época, houve reprovação em vários setores da esquerda e o comunicado lançado pela direção nacional da ALN não convenceu. Já no período recente da minha pesquisa, quase todos os meus entrevistados, com os quais tratei do assunto, consideraram injustificável o justiçamento e apontaram sua causa em divergências políticas". 

Este e uns poucos outros relatos de crimes de "justiçamento". Com efeito, os crimes da esquerda revolucionária foram em muito menor escala que os crimes da ditadura. Todavia, não podem - ou não devem - deixar de causar repulsa e indignação.

Mas por que Gorender relatou crimes perpetrados pelo seu próprio lado? Porque Gorender é um historiador, porque tem grandeza moral e intelectual, porque busca a Verdade e se submete às suas exigências. Já a Comissão Nacional da Verdade resolveu investigar apenas os crimes dos agentes da  ditadura - e eu espero que vá fundo nesta investigação -, deixando esquecido e descurado o assassinato de Márcio Leite de Toledo, em clara afronta à sua memória e insulto a seus familiares. Márcio e uns tantos mais, alguns vítimas tanto da ditadura quanto dos companheiros de luta,  como o caso de Francisco Jacques Moreira de  Alvarenga, que, após sofrer torturas "sem limites", segundo relato de  Gorender, ao ser solto, foi assassinado pelos próprios companheiros. Assim Gorender fecha o relato estarrecedor sobre Francisco Jacques: 

"Libertado a 14 de junho, Francisco Jacques se dispôs a encontro com representantes da ALN, porém não mereceu dela o direito de defesa". 

Se vocês, caros leitores e leitoras, querem a Verdade,  não esperem pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade; comecem pelo livro de Jacob Gorender e sigam investigando.

Alguns membros da Comissão Nacional da Verdade vieram a público clamar pela revisão da Lei da Anistia, fazer proselitismo. Não me parece que seja essa a missão da Comissão Nacional da Verdade. A missão de qualquer Comissão da Verdade de verdade é investigar e expor... a Verdade.

Eu defendo a Lei da Anistia,  não me detenho aqui na sua defesa porque já fiz isso em livro - Sobre "anos de chumbo" e Anistia -, disponível eletronicamente no Portal 100 Fronteiras (www.portal.100fronteiras.com.br).

Nós vencemos a tenebrosa ditadura militar. É preciso agora vencer a tenebrosa mistificação. Este será, também, uma espécie de combate nas trevas. Vamos seguir o exemplo do grande Jacob Gorender, vamos  combater.

Washington Alves da Rocha - João Pessoa, 14/06/2013
 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Advogado Waldir Porfírio, membro da Comissão da Verdade da Paraíba, responde ao Blog ROCHA 100, numa atitude de transparência que impede a instrumentalização politiqueira da Comissão

Desde muito antes da instalação da Comissão da Verdade da Paraíba, o advogado Waldir Porfírio - atual Chefe de Gabinete do governador Ricardo Coutinho - tem se empenhado na investigação dos terríveis acontecimentos do período da ditadura militar. Inteligente e culto, de sólida formação humanista, Porfírio é um investigador diligente e tenaz. Além de tudo isso, é também atencioso: tão logo postei aqui minhas dúvidas e reclamações em relação à referida Comissão, ele enviou a resposta que segue. Depois de uma maior reflexão haverei de considerá-la circunstanciadamente.  De imediato, entendo que com sua atitude de transparência, Waldir Pofírio abriu a Comissão para um amplo diálogo, o que, além de permitir um importante afluxo de  informações para a Comissão, ajudará a mantê-la com foco na investigação da Verdade e longe das manipulações politiqueiras. Vejam o e-mail que Porfírio me enviou em 10/06/2013:

Prezado companheiro Washington Rocha,
 Em primeiro lugar, gostaria de agradecer, em nome dos membros da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba a sua preocupação com o andamento da referida Comissão. Não poderíamos esperar outra atitude de você, eterno e diligente vigilante da preservação da história de todos aqueles que lutaram e sofreram com as perseguições e torturas do regime militar.
Como bem dissestes, os membros da Comissão da Verdade da Paraíba tomaram posse no dia 11 de março do ano em curso. Já realizamos 10 reuniões, todas produtivas, visando tirar do papel a Comissão e construir uma estrutura de investigação para vasculhar milhares de documentos que se encontram no Arquivo do DOPS da Paraíba e em outros Arquivos que estamos fazendo Acordo de Cooperação Técnica.
Assim, das nossas reuniões, já definimos a criação e já está funcionando 10 Grupos de Trabalhos (GT´S) envolvendo 60 pessoas, dentre professores e estudantes universitários, profissionais liberais, etc, para melhor desenvolver nossas investigações. Os GT são:
1.       Mortos e desaparecidos políticos do regime militar
2.       Mapa da Tortura
3.       Repressão do Estado e de milícias privadas aos camponeses
4.       Perseguição dos órgãos de segurança ao setor educacional
5.       Intervenção nos sindicatos e em outras entidades da sociedade civil
6.       Demissão de servidores públicos federais
7.       Estrutura de repressão na Paraíba
8.       Cassação de mandatos eletivos e a magistrados
9.       Ditadura e Gênero
10.   A bomba estourada no Cine

                A decisão de digitalizar o Arquivo do DOPS, como bem disseste, poderia ser uma ação independente da Comissão. Entretanto, ninguém nunca havia tomado essa atitude, cabendo a uma ação da Comissão fazê-la, determinação esta que está registrada como um dos pontos positivos no Relatório do 1º Ano da Comissão Nacional da Verdade.
                Conseguimos, semana passada, terminar a estruturação de duas salas onde irão funcionar a parte administrativa da Comissão Estadual da Verdade (7º andar da Casa Civil, na Epitácio Pessoa, antigo prédio do Paraiban) e os Grupos de Trabalho e Acervo Documental na Fundação Casa de José Américo.
                Existe uma página no Facebook da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da Paraíba com 700 membros e suas matérias já terem sido vistas por mais de 30 mil pessoas de todo o Brasil. Diariamente são colocadas duas ou mais matérias da Comissão ou assuntos de outras Comissões de interesse do público.
                Ao mesmo tempo, já está na fase final o site que está sendo construído pela CODATA. A previsão de entrar no ar será nos próximos 15 dias e será a primeira página na internet de uma Comissão Estadual da Verdade em todo o Brasil. A nossa idéia será colocar, ainda este ano, toda documentação do DOPS no site, como forma de democratizar a informação.
                Com o objetivo de buscar informações sobre paraibanos perseguidos políticos pelo regime em outros Estados, já assinamos Acordo de Cooperação Técnica com a Comissão Nacional da Verdade, Comissão de Anistia, Arquivo Público Nacional (Memórias Reveladas), Comissão Estadual da Verdade Dom Helder Câmara, Arquivo Público Estadual de Pernambuco, Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Também, nos próximos dias, estaremos fechando acordo de cooperação técnica com os Arquivos Públicos de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.
                Fruto desses Acordos de Cooperação Técnica já começam a chegar à Paraíba mais de 20 mil documentos digitalizados de paraibanos perseguidos pelo regime e de Inquérito Policial Militar. Documentos inéditos sobre a perseguição começam a vir à tona e deverão ser noticiados nos próximos dias.
                Falar em notícias, já localizamos documentos importantes como um ofício do DOPS que comunica prestar informações sobre os 45 órgãos da repressão no Brasil, inclusive com a Embaixada dos Estados Unidos. Localizamos as granjas que foram cedidas por empresários para torturar presos políticos em Campina Grande e noticiamos sobre as fichas do DOPS da presença do sindicalista Luis Inácio Lula da Silva, o cantor Chico César quando militava no movimento estudantil, etc.
                Para fechar nossa boa conversa, no próximo dia 28 de junho, com o depoimento da ex-líder estudantil da UFPB, Socorro Fragoso, hoje deputada federal Jô Morais, será realizada a primeira audiência pública da Comissão Estadual da Verdade da Paraíba. Essa atividade, como disse, será a primeira e só pôde ser concretizada com o apoio da Secretaria de Comunicação do Estado, que nos disponibilizou uma produtora para gravar os depoimentos com as testemunhas da história da repressão política, que, como você, são centenas de pessoas que foram presas, torturadas, mortas, desaparecidas, demitidas, cassadas, suspensas das escolas e universidades.
                Agradeço pela sua preocupação e acredito que, dentro dos meus limites, tenho dado o máximo de informações sobre a Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba, as quais já foram publicadas nos jornais impressos do Estado e nos sites de notícias paraibanos.
               
                Waldir Porfírio da Silva
                Membro da Comissão Estadual da Verdade e da Preservação da Memória da Paraíba

sábado, 8 de junho de 2013

A Comissão Devagar da Verdade da Paraíba: esperamos que ande, que diga a que veio, que seja autônoma, que não se guie pela agenda e conveniência do governador

Convidado, compareci, em 11/03/2013, no Palácio da Redenção para o ato de instalação da Comissão da Verdade e da Preservação da Memória do Estado da Paraíba. Tinha muita gente e muita gente tinha o que falar, mas ninguém falou. Quer dizer, o bravo militante comunista (PC do B) Simão Almeida fez um solene discurso de abertura e o governador Ricardo Coutinho fez um solene discurso de encerramento. Na Mesa estavam alguns importantes combatentes dos "anos de chumbo", que sofreram horrores nas mãos da repressão da ditadura militar, dentre os quais o bravíssimo José Emilson Ribeiro, ex-guerrilheiro, ex-preso político. Ninguém da Mesa falou: calados se sentaram e calados se levantaram ao fim do discurso de Sua Excelência o governador, após o qual o ato foi dado por encerrado. Eu protestei, de viva voz (discretamente, muitos outros também protestaram). Vieram a  mim explicar que se tratava apenas de uma solenidade, uma formalidade, que depois haveria muitas oportunidades para falas e depoimentos. Continuei achando que se perdera uma grande oportunidade, mas fiquei esperando pela novas oportunidades referidas. Esperei confiante, porquanto reconheci a excelência da composição da Comissão, onde destaco o advogado Waldir Porfírio (investigador competente e tenaz do período ditatorial) e o jornalista João Manoel de Carvalho (que é, pelas suas vivências e lutas, inclusive no enfrentamento com o golpe de 1964, um patrimônio da resistência democrática). Pois, passados três meses, continuo esperando. Eu sou um dos que teria o que falar.

Enquanto esperava, acompanhei pela imprensa as atividades da Comissão da Verdade da Paraíba. Nada ou quase nada: li que a Comissão fez uma visita ao Acervo Público de Pernambuco e que agendou viagens de trabalho. Também li uma reportagem em que a Comissão anunciava que o governo do estado mandara digitalizar fichas e processos do antigo DOPS, órgão auxiliar na repressão dos "anos de chumbo". Salutar medida, mas que não necessitaria de uma Comissão da Verdade para ser anunciada.

A Comissão da Verdade da Paraíba parece inoperante. Não afirmo que seja, apenas digo que não tenho conhecimento de quaisquer operações de investigação. Quem as tiver, por favor, divulgue: uma Comissão da Verdade deve atuar com a maior transparência possível. Tenho, todavia, um especial motivo para suspeitar da inapetência investigativa da Comissão da Verdade da Paraíba. Vejam:

Como líder secundarista, tive atuação de destaque nas lutas dos "anos de chumbo"; em consequência, sofri sérias perseguições, chegando a ser sequestrado pela repressão e levado para ser torturado nos porões do IV Exército, em Recife-PE. Isso  está relatado em livro, livro que entreguei a vários membros da Comissão da Verdade da Paraíba no referido ato de instalação. Isso foi, lembrem, no início de  março. Até o momento meu livro não logrou despertar a curiosidade dos investigadores comissionados. Mas vejam: na oportunidade entreguei o livro a alguns membros da Comissão de Memória e Verdade Dom Helder Câmara (que é como se  chama a Comissão da Verdade de Pernambuco), que tinham vindo prestigiar a instalação da  Comissão irmã. Pois, tenho recebido desta laboriosa Comissão da Verdade de Pernambuco seguidos convites para reuniões (o último convite para reunião em 04/06/2013), às quais, infelizmente, não pude comparecer.

A Comissão da Verdade da Paraíba deve aparecer e dizer a que veio. Esperamos que não tenha vindo apenas para dar um verniz esquerdista ao governador Ricardo Coutinho. Esperamos, aliás, que seja autônoma, que não se guie pela agenda e conveniência do governador. Esperamos que a comissão da Verdade da Paraíba não tenha vindo para enganar.

Atenciosamente,

Washington Alves da Rocha - em 08/06/2013.