Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Voto distrital: repercutindo a excelente reportagem de Mislene Santos no jornal Correio da Paraíba

No domingo, 09/10, o jornal Correio da Paraíba publicou uma extensa - e excelente - reportagem de Mislene Santos sobre o voto distrital. Ou, melhor dizendo, uma reportagem sobre o novo sistema eleitoral ora em discussão no Congresso Nacional, mas que destaca o voto distrital, a partir da chamada de capa - "Voto distrital é tema de debate entre lideranças" - e do título de abertura - "Cientista político é contra voto distrital". No caso, o cientista é Jalds Menezes, professor da UFPB e um dos mais respeitados politicólogos do Brasil. Tenho acompanhado, com admiração, a notável produção intelectual do Professor Jalds (em livros, revistas especializadas e mídia). Tenho, geralmente, concordado e aprendido com ele. Neste tema, discordo. Sou a favor do voto distrital e vou tentar contrapor os argumentos do Professor Jalds. Antes, quero dizer que, em posts seguintes, continuarei a apreciação desta reporta tão competente. Seguem, sintetizados, os argumentos do Professor Jalds (aconselha-se a leitura completa da reportagem), acompanhados por meus contra-argumentos:

1) "... Ele lembrou que esse sistema já foi utilizado no Brasil durante todo tempo do Império. 'Contudo, não era um sistema democrático, mas um curioso regime liberal conservador, oligárquico e aristocrático'. ".

O fato de o voto distrital ter sido utilizado durante o Império não o desqualifica. Certamente, o voto distrital do tempo do Império não tinha amplitude democrática, nem poderia ter, porque o Brasil era semi-feudal e, como diz o professor, não era democrático. Os instrumentos da política renovam-se com a renovação da política. Por exemplo: os Parlamentos da época a que o Professor se refere não foram democráticos, mas deram origem aos Parlamentos democráticos de hoje. Nem por ter havido Parlamento no Brasil durante o Império, será o Congresso Nacional do Brasil de hoje nefasto à democracia.

2) "... os setores que defendem o voto distrital (puro ou misto) com unhas e dentes são a revista Veja, o PSDB, o DEM e o PMDB. Quais os interesses desses setores? Esta é a melhor maneira de entender os objetivos desses 'movimentos sociais'.

Qualquer revista tem o direito de expressar opinião, inclusive sobre temas políticos. Quanto aos partidos, sobre tais temas, não têm o direito de se expressar, mas sim o dever, a obrigação; existem para isso. Quanto aos "interesses desses setores", ficamos sem saber quais sejam, porque o Professor não nos diz (apenas podemos pressupor, pelo tom, que sejam os piores possíveis). O próprio Professor Jalds nos ajuda a desfazer o argumento, pois acrescenta: "... cada partido defenderá uma tese conforme seu interesse eleitoral". Ora, se todos os partidos se posicionarão desde um ponto de vista oportunista, tal argumento não poderá desqualificar, exclusivamente, os que defendem o voto distrital por oportunismo. O Professor está pessimista quanto à reforma política, justamente pela possível universalização do oportunismo. Eu sou otimista, e acho possível que no Congresso os princípio se imponham sobre o oportunismo e tenhamos uma boa reforma política (nem precisa ser perfeita), inclusive com voto distrital. Neste particular, as considerações do Professor elevam meu otimismo a uma convicção de vitória; pois, se até o PMDB está defendendo "com unhas e dentes" o voto distrital, a coisa está no papo.

3) "... não existem distritos eleitorais no Brasil. Eles serão criados arbitrariamente, pois não há, nos dias de hoje, a priori, nenhum critério histórico ou geográfico de delimitação dos distritos...".

Não entendo de divisão territorial (sempre fui ruim em geografia), mas creio que há em todos os estados do Brasil elementos históricos e geográficos para divisão de territórios distritais. A jornalista Mislene e a equipe Correio da Paraíba parecem concordar comigo, pelo menos no caso da Paraíba. A reportagem está ilustrada com um mapa do estado dividido em 12 distritos. De olho, como leigo, achei o mapa em questão bastante racional.

4) "Para o historiador, o sistema acabaria fortalecendo os chamados currais eleitorais, porque 'em qualquer lugar do mundo, o voto distrital é um sistema que compartimenta em vez de universalizar. Permite a efetivação de democracia liberal, mas fortemente avessos a participação popular".

Sem voto distrital, os currais eleitorais veem contaminando o sistema eleitoral brasileiro há mais de um século.  Suas causas não estão na forma do voto, mas na situação sócio-econômica das regiões dos currais: pobreza (às vezes, miséria) e baixa (ou nenhuma) escolaridade. O voto distrital, com efeito, compartimenta. Porém, mesmo na mais universalista das Repúblicas, alguma divisão do tipo compartimento será necessária, a começar pelos compartimentos que são as unidades federadas; no caso do Brasil, os estados. Lembrem-se que o Brasil é uma República Federativa. Que o voto distrital é compatível com a democracia liberal, não há dúvida; porém, a democracia liberal não é avessa à participação popular. Pelo contrário, a democracia liberal é o sistema por excelência da participação popular, porque assegura nesta participação os direitos de liberdade.

5) "Jalds Menezes disse que o voto distrital sempre beneficiará as oligarquias e dificultará a vida de candidatos vinculados a ideologias e movimentos de opinião pública, necessariamente universal. Além disso, para ele, esse sistema distritaliza a compra de votos, 'para falar o óbvio porque o poder econômico, as grandes empreiteiras e os grandes bancos, continuarão atuando. O sistema de distrito pode inclusive permitir a racionalização do investimento".

Deixarei a primeira afirmação deste item por último. Quanto à possível distritalização da compra de votos, podemos supor que sem o voto distrital a compra de votos está universalizada. Sendo distritalizada, será mais fácil à Justiça Eleitoral coibir tal prática criminosa. Uma possível compra racionalizada de votos prosperará apenas se houver ineficiência da Justiça e das polícias; tal como tem prosperado a compra irracional de votos quando ocorre a referida ineficiência. Voltemos à primeira afirmação, de que o voto distrital sempre beneficiará as oligarquias. A reportagem em tela - magnífica reportagem - apresenta um cenário hipotético da bancada paraibana na Câmara Federal, como se a eleição de 2010 tivesse sido realizada no sistema de voto distrital. Neste cenário de voto distrital hipotético, PT, PTB e PMDB teriam sido beneficiados. O PT teria acrescentado à sua bancada Jeová Campos, o PTB teria acrescentado Armando Abílio e o PMDB teria acrescentado Roberto Paulino. PP e PDT teriam sido prejudicados. O PP teria perdido Aguinaldo Ribeiro e o PDT teria perdido Damião Feliciano. O DEM teria ficado na mesma, apenas trocando Wilson Filho pelo Major Fábio. Não sei como o Professor Jalds avalia todos esses partidos. Pela minha avaliação, a bancada mais à esquerda teria tido lucro eleitoral, embora pequeno. De qualquer sorte, conhecendo o Professor Jalds como conheço, sei que ele não haverá de caracterizar o Partido dos Trabalhadores como oligárquico.      

 

  

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