Blog Rocha 100

No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Charge contra Deus: Charlie Hebdo tem direito de ser imbecil. E Viva a Liberdade de Expressão!

por Washington Rocha

rocha100.blogspot.com.br


O jornal Charlie Hebdo inaugurou 2016 com a charge abaixo reproduzida (pescada no site O Antagonista).



"Um ano depois. O assassino ainda está solto"


Eu acho essa charge imbecil, mas também acho que o jornal tem todo o direito de fazer as charges que quiser fazer. Nem entendo porque quem acredita em Deus haveria de se abalar com uma charge besta como essa. Já vi, produzidas aqui mesmo no Brasil, charges e outras peças de humor muito mais agressivas de grupos de ativistas ateus. Não me abalei e até chamo a favor dos humoristas ateus a frase do deísta Voltaire: "Não concordo com uma única palavra do que dizes, mas lutarei até a morte pelo teu direito de dizê-las".

Uma imagem, dizem, vale por mil palavras. Todavia, o editor do Charlie Hebdo, Laurent Sourisseau, não confiou nesse brocardo e escreveu, também com todo o direito, um editorial para explicar a charge. O editorial de Sourisseau é tão imbecil quanto a charge. Esta, aliás, por ter sido feita, presumivelmente, por ateus, já estaria invalidada pela metade, pois, como se sabe, os ateus, vejam só, não acreditam em Deus; e se Deus não existe não pode ter sido o assassino. A outra metade, da charge e do editorial, pretende por em todas as religiões do mundo a culpa pelo atentado do qual o jornal foi vítima em janeiro de 2015. E isto é uma cretinice, com uma pitada de covardia, pois divide com quem não tem culpa a culpa bem localizada do grupo de fundamentalistas islâmicos que praticou o ato terrorista.

A questão filosófica/teológica de Deus permitir que o mal exista é milenar, "nimiamente extensa" (para usar uma expressão de Machado de Assis, um ateu de minha particular veneração), não é o caso de retomá-la aqui. Comentarei apenas duas frases do texto de Sourisseau; primeiro, esta:

"As convicções dos ateus e dos laicos podem mover ainda mais montanhas que a fé dos crentes";


As convicções sempre movem. Tanto no caso dos crentes quanto no caso dos ateus, movem para o bem ou para o mal. Então, no caso de assassinatos, que é o tema da charge e do editorial, cabe comparar. Comparem os assassinatos movidos por convicções religiosas ao longo de toda a história com os assassinatos movidos, apenas no séc. XX, por convicções ateístas dos regimes de terror de Stalin na União Soviética, de Mao Tse-Tung na China, de Pol Pot/Khmer Vermelho no Cambodja, e outros regimes assassinos comandados por ateus convictos. As montanhas de cadáveres das vitimas dos ateus convictos são espantosamente mais largas, horrorosamente mais altas, desesperadoramente maiores do que quaisquer montanhas de desgraças já vistas, lembradas ou registradas em todos os séculos. Pesquisem, é fácil.

Na outra frase que resolvi comentar, Sourisseau defende a laicidade contra "fanáticos embrutecidos pelo Corão e os carolas de outras religiões que desejaram a morte do jornal por ousar rir das religiões".

Eu defendo a laicidade e entendo que ela garante que o Estado não interfira na crença ou descrença de ninguém. Em um Estado laico e democrático, todos estão livres para não acreditar em Deus e proclamar seu ateísmo; e também para acreditar em Deus e proclamar sua fé religiosa. Todavia, ambos os grupos, de ateus e de crentes, estão, no Estado Democrático de Direito, impedidos de praticar crimes previstos em lei; sob quaisquer alegações, religiosas ou anti-religiosas. É muito bom que Sourisseau defenda a laicidade, mas é muita estupidez acusar, genericamente, "carolas de outras religiões" de desejarem "a morte do jornal". O mundo sabe, o mundo viu milhões de "carolas" de muitas religiões se manifestando em solidariedade ao Charlie Hebdo, repudiando o atentado, chorando pelas vítimas: "Je suis Charlie". Será que Sourisseau não lembra?

Eu mesmo, que sou um "carola" cristão, uni-me à imensa corrente de solidariedade ao Charlie Hebdo. E continuo solidário. Desejo ao Charlie Hebdo, a todos que o elaboram, um Feliz Ano Novo, uma longa vida. Desenhando e escrevendo o que lhes der na telha.

Je suis Charlie! Vive la France! Liberté, Égalité, Fraternité!  


   

Um comentário:

  1. Caro Washington. Este seu artigo está primoroso. Nada a acrescentar ou retirar. Um Viva a todos os que acreditam em uma Força Superior (para mim, Deus)e um Viva a todos os que não acreditam em nada além deste planeta, mas,que, acreditando ou não, buscam os caminhos que os levam ao amor, portanto à PAZ!

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