ROCHA 100 - Revista 100 Fronteiras
Blog Rocha 100
“No princípio, criou Deus os céus e a Terra”. Ótima frase para um Blog que navegará 100 fronteiras: dos céus metafísicos à “rude matéria” terrestre. “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Pois, somos também deuses, e criadores. Podemos, principalmente, criar a nossa própria vida, com autonomia: isto se chama Liberdade. Vida e Liberdade são de Deus. Mas, quem é “Deus”? Devotos hebreus muito antigos, referiam-se a Ele apenas por perífrases de perífrases. Para Anselmo de Bec, Ele é “O Ser do qual não se pode pensar nada maior”. Rudolf Otto, diante da dificuldade de conceituá-Lo, o fez precisamente por essa dificuldade; chamou-O “das Ganz Andere” (o Totalmente Outro). Há um sem número de conceitos de Deus. Porém, o que mais soube ao meu coração foi este: “O bem que sentimos intimamente, que intuímos e que nos faz sofrer toda vez que nos afastamos dele”. É de uma jovem filósofa: Catarina Rochamonte.
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
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ROCHA 100 - Revista 100 Fronteiras
domingo, 10 de fevereiro de 2013
Epicuro, Schopenhauer, Nietzsche, Mencken, Machado de Assis, Buñuel, Alfredo Machinho e os ateus melindrosos
Os ateus Schopenhauer e Nietzsche me são simpáticos, ainda que eu considere a metafísica da vontade por eles postulada (com conclusões morais opostas e igualmente desastrosas) muito ruim. Embora sisudos, eram irreverentes, e eu tenho grande simpatia pela irreverência. Talvez me sejam simpáticos porque, mesmo ateus, não são materialistas; sendo que considero o materialismo a mais rasa e indigente das filosofias. Nietzsche, o mais genial de todos os loucos, levou sua rebeldia ao ponto de decretar a morte de Deus e proclamar-se como o Anti-Cristo. Eu sou cristão, mas tenho quase devoção por Nietzsche e o considero como uma espécie de santo.
São inúmeros, os simpáticos ateus de antigamente. Citemos apenas mais quatro.
H. L. Mencken foi um ateu libertário, iconoclasta, chamado por alguns de "Nietzsche americano". Seu livro mais conhecido é, vejam só, "O Livro dos Insultos". De todas as religiões, usando eu uma expressão de Machado de Assis, Mencken "disse o que Maomé não disse da carne de porco". Mencken não apenas insultou Deus, insultou também o povo e a democracia. Vejam essa: "A democracia é a arte e a ciência de administrar o circo a partir da jaula dos macacos". Eu defendo o povo e a democracia, mas o referido livro de Mencken é um dos meus livros de cabeceira.
E chegamos a Machado de Assis, cujo livro mais marcadamente ateísta, "Memórias Póstumas de Brás Cubas", já reli pra mais de cem vezes. Machado, influenciado pelo pessimismo de Schopenhauer, expõe o ateísmo mais amargo: "Não transmiti a ninguém o legado da nossa miséria". É compreensível que ateus sejam amargos. E é quase imperativo que sejam irreverentes. Vejam, Machado, no "Brás Cubas", não poupou nem o mestre Schopenhauer, retratando-o como o doido Quincas Borba. Machado de Assis era ateu, e eu tenho quase veneração por Machado de Assis.
Vamos ao cineasta espanhol Luis Buñuel. Este era um ateu anarquista dos mais irreverentes. No seu delicioso livro de memórias, "Meu Último Suspiro", conta várias de suas irreverências, dentre as quais ter, em uma mesa de bar, tentado esganar a mulher do amigo Salvador Dali, a chatíssima Gala. E outra que conta é a seguinte: ajudando a causa da República na Guerra Civil espanhola, Buñuel recebeu missão de ir a Paris, mas os defensores da República eram tão desorganizados e desunidos (os stalinistas, por exemplo, matavam tanto franquistas como anarquistas e trotskistas) que os anarquistas não quiseram aceitar o salvo conduto de Buñuel, fornecido por autoridade da República - os anarquista exigiam um visto anarquista específico -. Aí Buñuel perdeu as estribeiras e elevou a voz em imprecações, desaforos e blasfêmias contra Deus e o mundo. Quando o anarquista responsável pela permissão de passagem ouviu aquelas abominações, não teve mais dúvidas: "Deixem passar, esse é dos nossos".
E chego a um ateu paraibano, amigo meu já falecido, Alfredo Machinho (assim chamado porque era baixinho e muito corajoso: consta que peitou e bateu revólver na cara do poderoso senador Assis Chateaubriand, num episódio da campanha "O Petróleo É Nosso"; mas isso é outra, e comprida, história). Ateu e comunista, comunista da linha dura, bolchevista ortodoxo, Alfredo era irreverente e dizia da Virgem Maria coisas horríveis e impublicáveis. Porém, sobre Deus, ele dizia uma coisa tão engraçada que não posso deixar de publicar, nem acho que Deus vá se ofender. Alfredo Machinho chamava Deus de "o invertebrado gasoso".
Vejam vocês como eram os ateus de antigamente. Hoje não; hoje os ateus são delicados e melindrosos, com pudores de moças donzelas. Hoje, os ateus são muito bem comportados e se guiam pela cartilha do "politicamente correto". Não aceitam de ninguém qualquer irreverência. Ai de quem falar mal um tantinho assim do ateísmo. Os ateus de hoje perseguem, processam, multam e querem por na cadeia quem ouse insinuar em relação a eles qualquer atitude menos correta e edificante.
O autoritarismo "politicamente correto", no qual se apóia a intolerância ateísta, teve início nos Estados Unidos, mas no Brasil tem encontrado terra fértil. Ateus brasileiros moveram processo contra a Rede TV. Também moveram processo contra o apresentador José Luiz Datena e a TV Bandeirantes; isso porque o desavisado Datena, no seu programa na Band, escorregou em uma irreverências em relação aos ateus. Os ateus brasileiros estão movendo processos a torto e a direito.
Eu mesmo, com esse artigo, sei lá se não vou ser processado?
Certamente, estarei sendo injusto ao generalizar. Fui ao Google ver a lista de ateus famosos e vi muitos ateus de hoje que são excelentes pessoas; irreverentes uns, tolerantes outros. Mas os ateus "politicamente corretos" de hoje, intolerantes, estão dando o tom do debate: militam pela causa, reclamam de Deus (tá certo) e do mundo, dizem-se vítimas, fazem campanha para arrancar os crucifixos das paredes e não estão longe de mandar implodir o Cristo Redentor.
O ateísmo militante, autoritário, intolerante, não está pra brincadeira.
Seja como for, como cheguei até aqui, vou arriscar um último e irreverente parágrafo:
O ateu irreverente tem a sua graça. Agora, ateu melindroso é uma merda.